VONTADE ou a educação da Vontade na Maçonaria.

VONTADE ou a educação da Vontade na Maçonaria.

A Vontade ou a Educação da Vontade na Maçonaria

 

Prof. Me. Cídio Lopes de Almeida, MM

amf3.com.br 


 

O presente trabalho tem como proposta destacar e relacionar alguns temas do manual de Aprendiz e como eles se relacionam com a Filosofia Acadêmica, em especial com as questões de epistemologia e de como isso se relaciona com o conceito de Vontade.

Nesse sentido, podemos dizer que o Grau de App M é a porta de entrada em uma senda epistemológica que se estende aos outros três graus do simbolismo. Atentos tanto no conteúdo da iniciação como nas instruções, veremos exatamente todo um preparativo que visa criar as condições psicológicas do Ir para o conhecimento. Nesse sentido notamos estreita relação com a Lógica aristotélica, que se chamava de filosofia primeira, pois o conteúdo do manual lança mão de vários recursos esotéricos para preparar o confrade a estar aberto ao conhecimento racional de tudo que existe, ou seja, é um passo metódico para se conhecer a realidade a nossa volta. E por realidade temos o que pensamos dentro da nossa cabeça e aquilo que está fora dela. O método pode virar também conteúdo, mas não poderá nunca perder de vista seu caráter de caminho para outro algo. Preparar o templo de Salomão na alma, não pode ser para um fim em sim, mas só se justifica na medida em que serve como espaço de encontro entre Deus e o homem. Aqui templo de “Salomão” é uma metáfora, que pode ser traduzida por preparar nosso ser; nos preparar para sermos felizes… que implica coisas no âmbito material/ profissional, como também coisas espirituais. 

Vamos então ser mais preciso. Na citação do manual de MM temos no final da Segunda Instrução o seguinte: “Que a Infinita Sabedoria e a Infinita Bondade do GADU se derramem sobre nós, a fim de que possamos realizar a transformação do SIMBÓLICO no REAL.” (REAA. 2002, p. 102) Uma indicação fundamental para vermos todo o simbolismo, isto é, devemos transpor o simbólico em real. A função do simbólico no nosso caso, da maçonaria, não é apenas uma função de velar nossos saberes ao mundo dos profanos, como é dito em nossos próprios rituais, mas se seguirmos uma indicação do pesquisador alemão Heinrich Zimmer acerca da Filosofia na Índia[1][1], podemos concluir que o método simbólico cumpre um serviço de via dupla, isto é, para Zimmer a cultura da Índia é por natureza filosófica (Curioso que na Índia tem altos índices de pobreza, mas baixo nível de violência). Qualquer indiano sabe de cor as mais belas histórias míticas, simbólicas que em geral são simples, mas de significado profundo. Deste modo todos os indivíduos, sem distinção de capacidade intelectual, têm acesso aos mais profundos mistérios da vida, pois seria impossível para um órgão central escolher entre este ou aquele indivíduo com capacidade. De certo modo é dado a todos, mas apenas alguns irão notar que se trata de algo mais. Ainda que para nós ocidentais os sistema de “castas” soe inaceitável. 

            Nesse sentido é que fica claro a definição que Zimmer dá para o pensamento indiano: “O objetivo do pensamento indiano sempre foi o de desvendar o mistério da confusão e, se possível, penetrar na realidade oculta pelos meandros emocionais e intelectuais que enredam nosso ser consciente.” (ZIMMER. 1989, p. 31) O que é de muita valia para nossa reflexão. Na citação do ritual de mestre certamente o convite é esse, isto é, ir mais fundo, pois em nossa simbologia maçônica subjazem os mais profundos conhecimentos.

            E aí retomamos novamente nosso foco de trabalho que é o primeiro ritual da escalada simbólica e já autorizado a fazer o que os cabalistas fazem no livro da LEI (TORAH) judaica, a saber, buscar o que há de conhecimento sobre as coisas e nós mesmos por detrás do simbolismo aparente.

            Nesse sentido é dado uma breve explicação de todos os símbolos que há no templo e a indicação de que todos eles devem ser encarados como metáfora para o próprio crescimento humano. Em seguida se dedica em dissolver algumas questões básicas que certamente o recém chegado na maçonaria traz do mundo profano. Entre elas, por exemplo, a falsa idéia de solidariedade que se propagam por aí acerca da Maçonaria (A maçonaria não é Banco). E é exatamente nesse ponto que há uma importante indicação acerca do exercício do conhecimento que se deve ser praticada na Ordem maçônica. Ao convidar a todos a combater a ignorância, a qual devemos superar com busca de mais conhecimento, é dado o que ela pode causar: “Porque a ignorância é a cousa de todos os vícios e seu princípio é NADA SABER; SABER MAL O QUE SABE, E SABER COUSAS OUTRAS ALÉM DO QUE DEVE SABER” (REAA, 2002, p.152).

            Fica evidente, então, que se deve olhar todo o ritual nessa perspectiva. Luz nesse sentido é razão que nos conduz. Mas essa razão por si não é tudo. Ela se coloca como uma importante esfera na vida do humano, grande máxima dos iluministas contra o “ancien régime”*, mas dá um passo seguinte e reconhece a supremacia de um Ser superior, sem dizer que ele é essa ou aquela igreja. Reconhecendo, desse modo, as várias tradições sagradas existentes na face da terra.

            A temática do conhecimento é, portanto, o elemento de transformação e via de ascese do espírito, a grande obra da Maçonaria e o que a faz ser, então, considerada como universal, isto é, seus temas e seus propósitos não são uma proposta restrita a uma época específica da humanidade. Não se trata de propósitos eminentemente Ocidentais ou Orientais, mas os temas que ela trata é presente em todos os humanos na face da terra. Não é um tema apenas dos dias de hoje, mas desde que conhecemos a história da humanidade a busca pelo conhecimento é algo existente. Então, é nesse sentido que se pode afirmar que a Ordem é Universal.

            E será aí, no que toca ao conhecimento universal, que no ritual do primeiro grau temos, nos estudos dos números, um elemento de fundamental importância na filosofia acadêmica. Na quinta instrução temos algumas observações do número três e uma em especial que é a três qualidades indispensáveis do Maçom: “VONTADE, Amor (sabedoria) e Inteligência”.

            O tema da Vontade na Filosofia Acadêmica foi amplamente tematizado pelo filósofo Arthur Schopenhauer na sua obra máxima: “O Mundo como Vontade e Representação”. O filósofo procurou dizer que tudo que move o real é uma força básica, um princípio que a tudo faz existir, e a isso ele chamou de vontade. A vontade seria o que na cosmologia chamamos de forças de agregação de toda matéria. Para compreendermos melhor o que é a Vontade, vamos a algumas definições elementares do assunto.

            Segundo o Filósofo e Teólogo Leonardo Boff, temos quatro forças que congrega ou não o real. Elas são:


Força gravitacional: força atrativa que atua sobre as massas; é a mais universal das forças, embora a mais fraca. Forças eletromagnética: força que atua somente sobre as partículas que têm carga; se oposta, as partículas se atraem; se semelhante, elas se repelem. Força nuclear fraca: responsável pela desintegração dos átomos e da radioatividade. Só age a nível atômico. Força nuclear forte: força que liga os quarks (as mais elementares das partículas) para formar os prótons e os nêutrons e que liga os prótons e nêutrons para formar o núcleo atômico. Ela não age sobre os fótons e os eléctrons. É a mais poderosa das forças da natureza.” (BOFF. 1999, p.195)

 


            Feito essa digressão, que ilustra bem o que é a Vontade, podemos dar continuidade de nossa reflexão. A Vontade, então seria essas forças que subjaz o real. Para Schopenhauer seria ela a única existente, e é a partir dela que tudo mais se organiza. Daí seu livro chamar “O mundo como Vontade e Representação”, pois toda a representação, entre elas a própria linguagem, seria fruto dessa Vontade.

            Schopenhauer, ao lado de Nicolau Copérnico e Darwin, foi também acusado de destituir mais uma vez o Homem de seu pedestal. Ora, como sabemos, era comum a idéia do homem como centro do universo, (antropocentrismo) e que as teorias da física e biologia mudaram essa percepção. Perder esse lugar privilegiado para o homem nunca foi fácil. A Igreja agiu energicamente contra Copérnico; e Darwin é até hoje agredido de várias formas. Schopenhauer não ficou tão famoso quantos os outros, mas sua teoria também tem ferrenhos opositores. Sua ideia de Vontade sacramenta a ideia de que existe apenas a Vontade, nada além dele. O que há, é apenas uma representação disso. A Vontade seria, por exemplo, a responsável pelo próprio pensamento que há em nós. Essa vontade não tem limites, ela é avassaladora, sem freios, sem rumo.

            Podemos pensar que essa teoria é absurda ou não tem nada a ver com nossa vida comum. Mas não é bem assim, talvez seja uma das teorias que mais tem haver conosco. Aqui, nesse trabalho, não dá para contextualizar o leitor não filósofo, dado a vastidão que esse campo dentro da filosofia. Mas vamos a alguns pontos, correndo o risco de ter saltado pontos importantes para a compreensão do que vamos relacionar com nosso Ordem.

            Para o filósofo Nietzsche, muito influenciado por Schopenhauer, o mais importante nos processos educacionais é a educação da Vontade que há em cada educando. Um educando sem vontade é preguiçoso e não consegue se concentrar em nada. Poderíamos nesse caso chamar a Vontade de querer. O mais importante é o jovem educando querer, se ele não o quiser, não adianta ensinar nada.

            Nesse momento é que vejo a genialidade de nosso ritual. Pois logo nesse momento ele chama com frequência a atenção dos Irmãos para a ideia de cultivar a vontade. Vontade que pode ser chamada de “força”. Sem força de vontade o que conseguimos fazer na vida? Certamente muito pouco e seremos aquele que é levado a reboque na vida.

            Mas já podemos notar que se a força ou a vontade de que fala Schopenhauer é sem regra, pois ela é uma coisa primordial, cósmica, isso vai causar uma série de conflitos. É preciso por ordem nessa Vontade louca.

            Para termos uma idéia precisa dessa contradição, podemos tomar o desejo sexual com um, entre vários, dos reflexos dessa moral. Foi preciso criar aquilo que os psicólogos chamam de interditos, para não se ter problemas práticos. Então o tabu do incesto seria originalmente algo para evitar problemas genéticos. Os valores morais em geral teriam sempre essa função prática. Aliás, no Direito as chamadas Ficções Jurídicas seriam exatamente isso, idéias falsas em sua essência, mas necessárias para se resolver problemas práticos na vida humana.

            Nesse sentido é que ainda faz mais sentido a tríade de qualidades indispensáveis ao Mestre: Vontade, Amor e Inteligência. A vontade, como dito, é o motor, mas ela precisa de regra, quem cria essas regras é o intelecto. O fruto do intelecto pode ser conhecimento ou sabedoria, um tipo ainda mais refinado e maturado de conhecimento.

            Desse modo, fortificar a vontade, cultivar essa vontade, é o caminho necessário para nos aventurar de modo correto na senda do conhecimento da própria vontade. Quando dizemos em construir o Templo de Salomão em nosso interior, podemos pensar em algo organizado, preparado, para poder se encontrar com aquilo que é fundamental no Cosmos. Que é essa Vontade, que manifesta o Infinito no finito.

 

Bibliografia

BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.

ZIMMER, Heinrich. Mitos e Símbolos na Arte e Civilização da Índia. Compilado por Joseph Campbell. São Paulo: Palas Atenas, 1989.

ZIMMER, Heirich. Filosofias da Índia. Compilado por Joseph Campbell; trad. Nilton Almeida Silva et. al. São Paulo: Palas Athena, 1986.

ALMEIDA, Cídio Lopes. Estética e Educação em Nietzsche. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Faculdade de São Bento. 2010

REAA. Ritual de Mestre Maçom. 2008.

REAA. Ritual de Aprendiz Maçom. 2002

*Antigo Regime; expressão da história que faz referência ao contexto da Revolução Francesa; no qual os iluminista procuraram acabar com a forma de governar antiga.

 




[1][1] “Na Índia, ao contrário, (do ocidente que destituiu o mito) a mitologia nunca deixou de apoiar e facilitar a expressão do pensamento filosófico. A rica pictografia da tradição épica, as características das divindades cujas encarnações e proezas constituem o mito, e ainda os símbolos religiosos, populares e esotéricos, serviram reiteradamente aos fins do ensino didático, convertendo-se em receptáculos com os quais os mestres comunicavam suas renovadoras experiências da verdade. Efetuou-se, assim, uma cooperação do mais recente com o mais antigo, do mais baixo com o mais elevado, uma maravilhosa amizade entre a mitologia e a filosofia; e isto formou um tal alicerce que toda a estrutura da civilização indiana tornou-se plena de significação espiritual. A estreita interdependência e a perfeita harmonização de ambas servem para refrear a tendência natural da filosofia indiana para o esotérico e o recôndito, apartada da vida e da tarefa de educar a sociedade. No universo hindu, o folclore e a mitologia levam às massas as verdades e os ensinamentos filosóficos. Nesta forma simbólica, as idéias não têm de ser rebaixadas para se tornarem populares. A vívida e adequada pictografia conserva as doutrinas sem alterar seu sentido.” (ZIMMER, Heirich. Filosofias da Índia. Compilado por Joseph Campbell; trad. Nilton Almeida Silva et. al. São Paulo: Palas Athena, 1986. p.33)


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