#Ela merece apanhar?
Certamente o título nos remete a um absurdo. Sabemos que é corrente na cultura machista o bordão “ela mereceu” apanhar. Ou ainda, a mulher que põe uma roupa muito “curta” está esperando o quê? Isto é, ela está querendo ser assediada sexualmente. 
Do caldeirão machista ainda teríamos mais. Porém, quero me ater apenas nesses dois temas, que podem ser reduzidos à um. A ideia de que a mulher seja um objeto “em função” do homem.
O que a filosofia tem a propor a isso? Penso que o exercício de desmonte é uma contribuição que o filósofo tem a dar. Mostrar por onde se começa a descascar essa cebola. E creio que a primeira casca é a ideia “inconsciente”(semi-inconsciente) que habita o universo masculino de que a mulher é um objeto a seu dispor. Está implicado em “ela merece” o fato claro de que se concebe um ser em função do outro. 
Essa submissão ontológica (ôntico = ser) é um “macho-centrismo” que não fica apenas no domínio do gênero. Ele é o mesmo que também coloca uma “etnia” no centro como parâmetro de Ser.  
Tal história das ideias machistas me parecem ter origem em uma sociedade na qual o homem, com suas habilidades específicas, era chamado ao centro das atenções. Quando vamos à uma fazenda ou sítio, a tal roça para nós mineiros, vemos algo peculiar. Na lide com as coisas da “roça”, especialmente a roça sem energia elétrica e motores a combustão, a força física masculina é importante. 
Se fizermos outro recuo e tomarmos aquele momento histórico que passamos a chamar de Idade Média, tal realidade também parece nos revelar a função central da força física. Dessa realidade, poderíamos dizer material, migrou-se para costumes morais. Dessa imposição da vida “dura” do campo o homem e sua força física tomaram acento em um lugar central. Dessa realidade “concreta” é que se construiu uma base de desigualdade de gênero. 
É claro que isso apenas indica uma possível origem da imbecilidade do machismo, não justifica ou afaga seu estatuto. Pois se lançarmos um olhar um pouco mais atento na história, mesmo no famigerado período medieval, lá encontraremos, por exemplo, os Catáros (puros em grego) ao sul da França (Região entre Toulouse, Montpellier e Perpignan), de onde se pode ter notícias de que as mulheres tinha outro estatuto do resto da Europa. Ainda que há uma aparente ideia de que o machismo é a tônica da história do “homem” desde que ele se entende por tal. Penso que não passa de ideologia que pinça em todos os momentos exatamente tais traços. 
Claro que tanto em matéria de Europa Medieval e Catáros teríamos que ir mais a fundo; os assuntos são sempre complexos para serem citados em poucas linhas. Apenas a título de uma breve reflexão é que valem aqui. 
E a ideia que me interessa lançar desconfianças é a que justifica o machismo segundo a base material. As mulheres sempre tiveram, ao lado dessa mesma base material da força física, papel relevante e que se concentrava nas coisas mais “finas”, mas não menos necessárias. A importância da mulher sempre foi diminuída apenas no âmbito da violência que a tal força física masculina sempre lançou mão como recurso. Por esse percepção mais genérica, mais de proteção das fronteiras, o homem tem dificuldade de perceber certos encantos domésticos. O cuidado das coisas “miúdas” sobre as quais qualquer ser vivo está inscrito, isto é, da limpeza doméstica, da higiene pessoal, do cozimentos dos alimentos, da quantidade de alimentos, parece ser estrangeiro aos homens. E por isso, dado à sua percepção grosseira, seu expediente se encaminha por uma não percepção da relevância do gênero feminino. É como se sua retina fosse grossa e calejada pela força bruta da violência que sempre existiu entre os “homens”.
Enfim, a uma mulher semi-nua não implica em me dar algum direito. Minhas sensações não é a base para qualquer direito, por exemplo uma sensação de “ódio” não funda justiça. Aliás, essa é uma grande invenção da humanidade, sair da vingança para a justiça. Mas no caso da mulher, se ela for “imbecil”, pois como humana também está sujeita a essa característica corrente nos homens, tal condição não me outorga direito de “espancá-la”, pois meu ódio não é base para justiça. O apetite sexual que posso ter pelas mulheres não implica em direito. Tenho que ter claro que meu desejo ou paixão(raiva) são apenas isso. Que inventamos não só “celulares” novos, mas no âmbito da cultura, da vida social, também inventamos. E nesse caso inventamos uma complexa teia de reflexões e instituições ligadas à vida social. Todas regidas por um complexo sistema jurídico, e em todas essas invenções está claro que certos aspectos subjetivos não podem se imporem sobre o coletivo; não pode ser parâmetro para meu agir. 

Para finalizar efetivamente, o machismo é uma aberração que tem antes de tudo um cultivo. Fica difícil encontrar elementos ditos naturais para ele. Se dar o direito de submeter outro ser é uma cultura. Veiculada em todos os meios possíveis. Da televisão aos filmes eróticos, da roda de conversa à Igreja. Portanto, acabar como o machismo é apenas desmontar tais “centros” de cultivos e apresentar outros modos de culturas. 

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