Capital Cultural versus Capital Monetário
Prof. Me. Cídio Lopes de Almeida
LOPES DE ALMEIDA, C. Capital Cultural versus Capital Monetário. São Paulo: AMF3. 2021 Acessível em: https://amf3.com.br/capital-cultural/
Capital Cultural versus Capital Monetário
Quem nasceu nas classes empobrecidas aqui no Brasil sabe bem esse dilema. Na verdade, quem nasceu aí e ousou se enveredar pela aquisição do capital cultural. É fato objetivo que as elites brasileiras, como bem escreve sobre Jessé de Souza, não são dadas à aquisição do tal capital cultural. O modelo ‘astro de futebol’ reflete bem o que é ser alguém com capital monetário e com pouco ou com um tipo vulgar de capital cultural.
Numa olhada rápida na literatura das ciências sociais e humanas, um Max Weber ou Pierre Bourdieu, já nos indicaria que o capital cultural está justamente anterior ao capital monetário. Sem esse bem da esfera do humano não se terá o segundo, que é meramente um mediador do capital anterior.
O fato é que um dado capital cultural no qual todos nascemos já está posto. E ele guarda armadilhas, pois ele parece ser natural. Contudo, nada na esfera da cultura humana é natural. Portanto, esse senso comum é a arapuca para a maioria das pessoas. Nasce dentro dele e no geral lhe é delegado um papel segundo a família que você nasce. Assim mesmo, determinado.
Isso parece asfixiar aos mais anarquistas juvenis, mas a dureza é essa. Para nós que não somos das classes médias, a nossa luta de liberação começa justamente aí. Por desamarrar do papel de “bruto” que nos é legado. O papel de trabalhador “precarizado” e de atropelado pelos afetos, pois se há algo que mais priva uma pessoa de organizar e cuidar do seu capital cultural é ele não saber lidar com seus afetos. Ou que ele não tenha mesmo uma acolhida afetiva no seio da sua família. No geral “chefiada por um macho violento”, estribada naquela virilidade taurina da força bruta.
Esse macho violento, como local da cultura do pobre em geral, consiste no primeiro capital cultural que gerações de “precarizados” começam a existência. Raros são os casos contrários, e essas exceções são inclusive utilizadas para dizer que “mesmo sem nada você consegue”.
O capital cultural inicial das classes empobrecidas é feito num caos total. A começar por não haver uma instituição que cuide adequadamente dos afetos. No geral as Tradições cristãs tendem justamente a violentar esses afetos. A negar na base da violência retórica e física o acesso aos afetos. Os lares torna-s verdadeiros purgatórios do vivente, do deleitar em estar. Você é literalmente “cuspido” para o mundo, todo perpassado de caos subjetivos.
Privado do capital inicial, que são os afetos, o pobre será privado de dois outros capitais fundamentais. O primeiro é o de uma Instituição do Sagrado que o faça estar consigo. Na qual ser gente/pessoa seja algo maravilhoso. No geral as Tradições cristãs atuam no sentido contrário, criando uma didática que nega os afetos em sim; tal como o desejo sexual, e toda uma opção valorativa que indica ser o melhor não a condição de ser humano; estabelecendo uma estética e uma moral totalmente devotada ao além, sem os traços condicionais do humano.
Não bastasse essa dissonância cognitiva inicial, chegamos na Instituição Escolar para sacramentar o processo de alienação de si. A escola no geral, mas em especial a do Estado, serve para hierarquizar quem pode o quê no jogo social de uma dado Estado.
A escola cumpre a função que antigamente era por “nascimento”. Se lá no “ancien regime” era explicito que os lugares eram distribuídos pelo nascimento, ou seja, em que linhagem nobre você nascia, depois da “chute de la Bastille,” criou-se o mito da meritocracia.
A escola serve para dizer ao pobre que ele é pobre. E que ele precisa aceitar ser pobre. E que ele precisa aceitar ser “precarizado”. Portanto, se pensarmos a escola como uma instituidora do fracasso, compreenderemos de modo cristalino porque estamos no atual estado de maus resultados escolares.
A escola é o pior dos lugares para os pobres. Não temos como explicar a desigualdade social no Brasil se não tomarmos a escola, a pública/estatal sobretudo, como o lugar mais estratégico de mantermos os pobres nos “seus lugares”. A evasão escolar, sobretudo dos jovens que se aproximam do Ensino Médio é um pouco isso. Eles, sem conseguirem formular um discurso e por demanda prática, já sabem que ali não tem nada que importa para.
Nesse sentido é que a libertação passa por compreendermos que estruturalmente somos submetidos ao não acesso ao capital cultural. E a escassez do capital monetário vem justamente dessa ação naturalizada que nega capital cultural aos empobrecidos. Nega-se informação de modo estrutural. As igrejas e as escolas, como instituições, prestam justamente esse serviço. Não há “igreja profética” num pais tão racista, machista e que segrega como o Brasil. Profética como metáfora para uma instituição do Sagrado que se coloca junto a todos no papel de quem garante que os “frutos da terra” serão repartidos em igualdade a todos.
Concluo esses apontamentos indicado uma questão fundamental. Sem o devido acesso à linguagem de si e do meio onde vivemos, seremos zumbis, vivos mortos. Só com uma linguagem ajustada aos meus/nossos afetos, em primeiro plano, e depois ajustados à minha ação imediata/pessoal é que conseguiremos ex-estire com dignidade. Precisamos de uma linguagem sagrada libertadora e de uma linguagem perpassado de afetos. Aí sim poderemos nos colocar em pé de igualdade para o resto. E aí vamos notar que o principal e primeiro é o Capital Cultural, pois é dele que deriva o resto.
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