Por uma filosofia a serviço

Por uma filosofia a serviço
A filosofia é apresentada às pessoas como sendo algo sem
utilidade. É clássica entre nós brasileiros a brincadeira de Marilena Chaui de que filosofia é uma ciência “pela qual e sem a qual
continuamos tal e qual”, isto é, totalmente inútil. É claro que a professora,
depois da brincadeira, encaminha para nos apresentar o que de fato consiste a
sua definição da Filosofia como atividade de produção
teórica restrita ao mundo universitário.
Qualquer tentativa de encaminhar a filosofia para uma ideia
de profissão ou utilidade é vastamente rechaçada e ridicularizada pelos
filósofos do Estado. Esses professores acabam por ocupar um lugar estratégico nesse dizer, eles não só dizem, mas ocupam lugares
remunerados que corroboram o que dizem. A condição material do dizer deles é
fundamental para compreendermos o que é filosofia ou o que se diz ser a
filosofia entre nós brasileiros e mesmo no mundo euro-cêntrico.
O dizer de alguém pode deter “Poder” ou não. Na
economia do “Poder”, sabemos que o saber anda a reboque, desde
Marcuse sabemos que o pretenso ascetismo do sujeito cognoscente é mera ilusão
ou intensão.  Portanto, não podemos nos
furtar de pensar que a definição de filosofia,
sobretudo a sua restrição a mera produtora de
“suprimento para outras ciências”, está inscrita e se explica muito mais
pela posição de “Poder” de seus “professores”(Preletores).
Para que o dizer acadêmico exerça o seu poder temos uma imbricada relação no regime de titulação e
produção bibliográfica. Os professores que ocupam as instituições de formação
de outros professores, através de seus mestrados e doutorados, começam ditando
as regras. Assim, a primeira marca de nossa jovem
filosofia é uma peleja com os autores oriundos dos países “metropolitanos”.
Pessoas passam a vida argüindo os temas ocultos nas obras dos filósofos
europeus. Esse modelo do estruturalismo francês de fazer filosofia, que marca
desde a “missão francesa” na USP, faz eco com outra
postura de comentarista entre nós, a saber, a ideia da Escolástica de que a
filosofia é serva da teologia e como tal deve apenas comentar. Os textos
sagrados, no âmbito daquela tradição eclesiástica, já estão postos e prontos; e mais,
não ousemos criar um “novo testamento”.   Ideia muito bem tematizada em conferência
pelo professor Margute Pinto, um comentarista de Witigenstei – em crise.
Dessa subserviência estrutural e as vezes necessária para
se formar novos filósofos, pois se prescindir da
história das ideias nos parece um esquecimento impossível,  chegamos que a filosofia é definida apenas
como atividade “oroborus”(aquela cobra que morde o próprio rabo). Filosofia só
pode ser o ato de “
comentar os temas clássicos presentes
nos autores clássicos”
. O lado externo dessa atividade espiritual só pode ser
traduzido em formas de artigos e livros. (Esses filósofos de jornais não
contam.)
Ora, qualquer ousadia fora desse padrão da filosofia
universitária logo será ridicularizada. Lembro-me que
muito recente se aventou uma “profissão de filósofo”. Claro que o contexto do
proponente não ajudou, sua forma mais nos lembrava a doação de título
nobiliárquicos da época do Brasil monárquico. 
E certamente tais idiossincrasias contribuíram
para reafirmar o dito dos filósofos do Estado, isto é, de todo professor de
filosofia que ocupa os cargos mais proeminentes na estruturação do saber-poder
filosófico brasileiro.  A tal anedota da
profissão de filósofo, proposto por um tal de “Moderno” de uma tal Academia Brasileira de Filosofia, serviu bem para
reafirmar aos “pensadores” remunerados pelas verbas do Estado a dizerem o
que é filosofia:
uma montanha refinada e bem articulada de ditos sobre
outros ditos

e que raramente consegue se articular com os ditos
populares, com a vida que pulsa nas ruas de nosso país e com as pessoas. Ainda
no âmbito dessa querela, com ares de celeuma religiosa, qualquer um que
conseguir articular tais artefatos lógicos semânticos e sintáticos é o mesmo
que um indivíduo que passou 4 anos estudando isso em
uma universidade.  O fiel da balança não
é o título obtido por empenho de uma pessoa, mas se ele “publica
filosofia”.  Portanto Dimenstein é filósofo,
e aqui devemos ignorar toda a sua ligação familiar com conglomerados de mídias, devemos, desse modo, “acreditar” que suas
ideias são filosóficas. Ou mesmo o polêmico “Schopenhauer” brasileiro,
também conhecido por Olavo de Carvalho, que após explorar temas expurgados da
Filosofia universitária, tais como astrologia, hoje deveria
ser considerado filósofo exatamente por ser o que mais vende seus livros. 
Curiosamente o nosso “Schopenhauer” não goza da anuência
dos filósofos estabelecidos ou Estatais, que o ignoram. Alguns poucos que ousam
dar-lhe o crédito de existência são para lembrar que
ele não tem diploma de filosofia, isto é, não se submeteu ao regime hierárquico
do saber oficial. A aparente contradição entre os dois “pensadores”
parece-me muito bem explicitada se tomarmos o regime de Poder subjacente a
qualquer saber; nos dois casos o que temos é uma
disputa pelo poder de dizer o que é filosofia, através da atividade de expor
emaranhados lógicos como sendo filosofia.
Na sequência dessa reflexão do que é a filosofia, passado
pela ideia de que dizer o que é um saber é uma
relação de poder, resta-nos ainda verificar mais uma coisa. Na divisão do
saber, que assistimos na modernidade, que em primeiro momento nos encanta dado
os resultados capazes de aplacar nosso desamparo frente ao mundo, coube a anciã
filosofia, e isso replicado pelos pensadores bem
empregados no Estado, apenas dá voos de um pico a outro das grandes montanhas.
A filosofia não pode mais falar de
subjetividade daquele indivíduo, só se for de todos os indivíduos e
jamais de uma pessoa. Até mesmo pensamentos de
Espinosa, Kiegaarde ou Nietzsche, só se prestam para publicar árticos
analíticos.  Como bem disse Maria João,
doutora em Filosofia, em seu Método Racioviatalista de poetizar ou terapêutico,
o filósofo se identifica tanto com seu desejo ‘puritano’ (termo nosso) de ser objetivo que
perde a si próprio.  E tal alienação se enquadra bem nos usos que o “Poder faz do saber. E aqui não quero
dizer que há um “poder” à
espreita operando tais coisas
(Teoria da conspiração é coisa de lunático; a organização
mais poderoso hoje do Brasil não é A ou B, ela tem
nome: FEBRAN)
creio muito mais na divisão do saber e a alienação do indivíduo que é
portador dele sejam efeitos. Os indivíduos não estão
ocupados em produzir os efeitos, mas se ocupam do que
causa os efeitos e por se isolarem nesses fazeres não
percebem o que eles produzem no contexto ou as varias
causas do contexto a agirem sobre ele (nós).
A ruptura da especialização, já tematizada na “Filosofia do
Direito” de Hegel, é uma “faca de dois gumes”. Ela produz belos efeitos iniciais, mas a longo prazo nos tornam frágeis;
condição que estávamos fugindo inicialmente. E a fragilidade que estou aqui
arrolando é a nossa de formados em filosofia. Presos no “labirinto do
minotauro” em sempre nos deixa enredar pela definição
oficial do que é filosofia. Condenados a analisar, e a reproduzir o mito de
“oroborus”, isto é, ensinar as ideias postas como clássicas de filosofia para
pessoas que irão ensina-las para outros…
Penso que precisamos aprofundar o
delineamento dessa falácia da filosofia “analítica”
ou “metafísica”. Não é possível vivermos presos na realidade semântica jogada
por
outrens que se beneficiam exatamente desse modo
de jogar. Sob a ótica do tema nietzschenao do “Poder” a filosofia precisa ir de
encontro a um pé de alface ou à subjetividade de uma
pessoa. Não assistamos Freud (Nietzsche e Espinosa) ou Lacan (Hegel via
Kogevie) assediarem os vários conceitos da filosofia e saírem incólumes como
fundadores de intervenções eficientes do psiquismo humano. Eles foram excelentes filósofos e suas contribuições filosóficas
apenas se travestiram de outros nomes para atender uma questão da economia do
“Poder”. Não podemos ignorar que na atualidade os “marqueteiros” estão
assediando os temas de Merlo-Ponty ou a “Programação
Neuro Linguística” usurpando toda uma reflexão da fenomenologia. Sem falar da Psicologia que teve origem em Wolf, aquela
“vaca” sagrada da Prússia de Kant.  


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