A França e o Estado Islâmico do Levante

A França e o Estado Islâmico do Levante
Na “imediaticidade” dos fatos de guerra, somos “covulsionados” a buscar explicações e encaminhar ações. E nesse contexto, remeto-me àquela ideia de Hannah Arendt sobre a fragilidade da verdade em épocas de guerra. A explicação também faz parte dessa fragilidade diante do pânico; e governos também procuram apaziguar esse “real-fantástico”(Zizek) 
Atacar a França ou Paris, sua capital, nos parece ser mais midiático do que, por exemplo, o ataque ao avião com cidadãos russos (224 mortos) ou o os 41 mortos de 180 feridos em Beirute, fruto também de um atentado do El (Estado do Levante). Porque? 
Poderíamos aventar que seriam mais ricos e por isso mais conectados aos meios de comunicação? Por que a França é mais sagrada que os demais?  e por isso não pode ser profanada? 
Certamente conta o fator cultural, de uma frança altamente escolarizada e com relações culturais, exatamente através de suas faculdades, autores, pontos turísticos, história, com o resto do mundo. Paris tem gente de todo o mundo todos os dias; exatamente por ser um lugar historicamente importante. 
Mas logo nos vem a pergunta, mas Damasco também o é importante? Qual a diferença entre tais importâncias?  certamente podemos aventar nesse rascunho que a importância da frança tem estreita ligação com o Poder contemporâneo. Suma importância não é uma história lá no passado distante, mas está estreitamente ligada ao presente; A importância da França para nós está no fato que o saber que se dissemina da frança implica objetos que estão à nossa frente todos os dias. Do leite “pasteurizado” (1864) , inventado por Louis Pasteur, à tecnologias dos metros brasileiros(Alston) chegando na indústria química, da qual não só os medicamentos, mas todos os produtos de beleza. 
Poderíamos aqui passar para conhecimentos de aviônica, mas basta os exemplos já citados para exemplificar e explicar os motivos que um ataque em Paris repercute mais do que outros. É um ataque a um dos cernes do Poder global de nossos dias. Para além de dizer que são apenas ricos, e por isso saí na televisão, podemos dizer que atacar o centro do Poder é certo que dará muito mídia. E por Poder temos que pensar algo complexo, que vai do “ter dinheiro” até o ter conhecimento técnicos, pois ter dinheiro e poder implicam em um tipo de “saber-poder”, sem o qual não se tem Poder e muito menos dinheiro. 
Essa é a chave a partir da qual podemos ler os acontecimentos que precedem e sucedem ao atentado em Paris. Será nesse quadro que iremos pensar mais adequadamente as atuais guerras de “baixa intensidade”. Na qual os discursos formais e oficiais das potências bélicas econômicas são sempre falsos, pois por “debaixo do pano” é que as coisas acontecem de verdade. 
Assim, como explicar o envolvimento da França  com o Estado Islâmico? Podemos nos perguntar pela história da França naquela região, após o fim do Império Otomano, arduamente trabalhado pela própria França e pela Inglaterra. A França “ficou” com os lugares onde hoje se encontram o Líbano e a Síria. 
Em dado momento, tal influência foi quebrada. O que implica em perder contratos, perder negócios, perder grana… E o pai do atual Al-Assad foi esse ator de ruptura. Pois o que é influenciar alguém? é na prática fazer negócios com tais influenciados. E mais restritamente, fazer negócios vantajosos, nos quais se vende “coisas” para essas zonas de influências. Lembrando, que tais zonas precisam ter algo natural que interessa aos “bem-feitores” da democracia. No caso da Síria é o petróleo, pois é com isso que se paga a conta e gera empregos nos países “civilizados”. 
Para além da relação direta entre França e Síria, temos que adicionar que esses atores regionais também tem seus interesses. E é aqui que se desmantela a ideia fácil de uma briga entre Ocidente cristão e Oriente Médio Islâmico. 
Entre os próprios árabes islâmicos ou mesmo entre outros povos islâmicos, que não são etnicamente ligados aos árabes, há contendas. Arábia “Saudita”(Familia Saud) e os Emirados Árabes Unidos, por exemplo, estão envolvidos diretamente nos conflitos no Oriente Médio. Seus interesses em “colocar” nos governos da região parentes, como modelo de governo baseado no clã ou na ideia aristocrata do sangue, leva-o a interferir nos conflitos ora em curso na Síria. Mas eles não são os únicos, temos que lembrar da Turquia, que não é árabe em termos étnicos, e seus desejos de retomarem a “influência” na região, que já foi o Império Otomano, a faz atuar contra até mesmo os interesses sauditas;  lembrando que em termos de religião Arábia Saudita e Turquia são sunitas, mas nem por isso comungam interesses comuns. 
Portanto, em rápida digressão, podemos ver que o interesse ao Poder é o motor de tudo isso. E poder se traduz em jogos econômicos, que pede um tipo de saber, especialmente o saber que lhe dá poder. A religião entra na cena na medida em que ela é um tipo de saber que serve aos propósitos desses jogos. É um poderoso recursos para envolver grandes populações em projetos comuns, mesmo que seja o horrendo projeto da guerra. 
E dizer que isso é próprio do Islam é cometer um grande erro. O cristianismo já teve sua fase terrorista. Não só contra o Islam, pela ocasião das cruzadas, mas entre os próprios cristãos no período conhecido como as cisões protestantes. O antigo testamento ou o novo, (Primeiro Testamento e Segundo Testamento) está recheado de receitas para se fazer barbaridades em nome de Deus. 
Cito apenas uma: 
“E disseram os habitantes de Jebus a Davi: Tu não entrarás aqui. Porém Davi ganhou a fortaleza de Sião, que é a cidade de Davi.
Porque disse Davi: Qualquer que primeiro ferir os jebuseus será chefe e capitão. Então Joabe, filho de Zeruia, subiu primeiro a ela; pelo que foi feito chefe. (1 Crônicas 11:5,6)”
Esse texto era interpretado ainda nesse domingo por essas Igrejas da Televisão no sentido mais ao pé da letra. Tomando o texto como denotativo e atropelando qualquer reflexão e invenção contemporânea sobre linguística. Portanto, tal texto serve perfeitamente para tomar o que é do outro em nome de Deus. E olha que é apenas uma passagem que citei, existem várias dessas na Bíblia Cristã. 
Portanto, a religião é apenas uma crosta aparente das questões que estão implicadas aos ataques em Paris. Ela é apenas um material didático a serviço de projetos de Poder. Projetos que implicam não só a França, mas a todos nós humanos. Os motivos e as explicações do que ocorreu precisam ser resolvidas nesse sub-discurso. Nesse discurso oculto e não nas declarações de televisão. Precisamos questionar não só esse ato em si, mas precisamos nos perguntar porque se tem “indústrias” bélicas. E porque não só a França (3˚ lugar/!?), Itália, Russia, EUA, mas o pacato Brasil figura entre os 10 maiores comerciantes de armas. 
Só assim construiremos bases mais eficazes para que atentados como os de Paris não ocorram, muito menos as atuais “guerras de baixa intensidade” que assola toda a África. 

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