O discurso religioso tem como marca discursiva aquilo que chamamos de subjetivo. Portanto, a religião faz uso da linguagem, mas a desterra daquilo que próprio dela. A saber, a linguagem é uma invenção humana que faz a mediação por excelência; que permite o humano se relacionar, mediar. Que faz a ponte entre ele e um outro.
Mas curiosamente a religião é o uso da linguagem sem o representado. Há uma representação, mas a quem se refere tal representação não é um elemento objetivo. Ele, o elemento representado na religião, por “definição” escapa ao conceito de objetivo; o que nos leva a dizer que não se trata de definição(delimitação), mas de uma sinalização; uma indicação que, assim, não demarca, mas indica para algo maior, além. Ele, o ‘objeto’ da religião, precisa por definição exceder o objetivo.
Será nessa impossibilidade linguística que o humano irá representar o improvável. Dado o fenômeno da linguagem humana, sem aqui nos perguntar como isso se deu, somos confrontado com outra surpresa, a criação do não-representado. Acaba-se de fazer a engenhosa criação da linguagem e imediatamente arruma um negócio, também engenhoso, que parece tergiversar a primeira invenção. O que é pior, não inválida, ao contrário, será nessa contradição que o fenômeno religioso sobreviverá; ainda que sempre contradizendo.
Posto essa base da linguagem e da religião; passemos à sociedades que se organizam utilizando a religião como material didático de exercício do Poder. Nomeadamente o mundo ocidental e os países que se utilizam do cristianismo como fundamento de Poder.
Aqui encontramos o discurso dos Tradicionalistas e suas pelejas com a linguagem. O primeiro que ousa apresentar uma outra interpretação das Escrituras, exercício que em geral é pertinente, logo encontra forte reação dos guardiões da retórica de Poder religioso.
Assim, um Asselm Grün é taxado de herege quanto procura apresentar dimensões novas das Escrituras. Especialmente quando ele se vale da antropologia ou da filosofia para apresentar os temas da religião cristã sobe uma ótica diferente. A briga se instala exatamente por não haver um parâmetro nessas digressões teológicas. Ou seja, o que conta nesse trato estranho que a religião dá à linguagem é o jogo de força. É a ostensiva militância que sempre impõe um jeito de ver; não tem como dizer que há um tipo “universal” de ser cristão, pois por essência o que a linguagem procura representar vai para além dela; O que sempre houve foram indivíduos “briguentos”, que tem gosto por uma boa disputa de prosa.
Como essa coisa pegou por vários anos; até esquecemos ou mesmos não temos paciência para desatar dois mil anos de nós teóricos. Mas podemos ousar dizer que a especialidade do emaranhado cristão está em ser um excelente hospedeiro do Poder. Por essa universalidade é que ele se impôs, por isso Aristóteles foi apreciado nas estruturas jurídicas de uma Idade Média mais elaborada.
E tudo isso nos faz compreender melhor a verve dos Tradicionalista. Para quem está muito bem acomodado no seio do Poder, nutrindo os benefícios dele, mesmo a aparente contradição, que pouco importa para eles, é passível de defesa. Pois a falta de nexo não é um problema, o que importa é a militância impositiva de suas teses religiosas/políticas. Eles já estão habituados e nutridos em um discurso que negligencia por definição as regras da linguagem. Logo, quando essa mesma linguagem apresenta contradições a eles nada tem a dizer; afinal, já lidam e vivem acomodados no discurso religioso essencialmente contraditório.