Por que maçônica?
Triângulo dentro da Catedral de Besaçon, França. |
Citação:
LOPES DE ALMEIDA, Cídio. Academia Maçônica de Filosofia. São Paulo: AMF3. 2012. Acessível em: https://amf3.com.br/por-que-maconica
Academia Maçônica de Filosofia
Prof. Me. Cídio Lopes de Almeida
Academia Maçônica de Filosofia é uma prática de ensino de filosofia.
O adjetivo maçom ou maçônico para qualificar uma escola de ensino de filosofia tem longa história. Seu início pode ser registrado com Jesus de Nazaré ao afirmar que não era necessário templo para se cultivar o sagrado. O templo que importava para o nazareno consistia em uma questão espiritual e não meramente física. Nesse sentido, soma-se o fato de que o termo maçom, originalmente do francês maçon, quer dizer pedreiro ou o profissional que trabalha na construção de edificações. Em dado momento histórico, sobretudo movido pelos ideais do Iluminismo europeu, casou-se a ideia de construção civil com a construção de um tipo de indivíduo, distinto daquele do período histórico medieval. Será nesse sentido que se pode tomar de maneira adequada os motivos em denominar uma experiência de ensino de Filosofia como maçônica.
Esse ponto de vista oriundo de Jesus de Nazaré, portanto, ganha forças nessa apropriação iluminista que procura fundamentar suas proposições em bases consideradas sólidas da fé cristã. O renascimento e o Iluminismo, dois movimentos culturais de fundamental importância para compreendermos nossos dias, foram movimentos que procuraram recriar as formas de viver em sociedade, e buscaram no passado as referências para tal. Queriam ser diferente da cultura medieval, mas isso não queria dizer que eles queriam apagar algumas referências culturais, pois eles compreendiam que o problema não estava no cristianismo por si, mas existiam um problema de interpretação. Para resolver o problema era só buscar um cristianismo lá da origem, sem os vícios do poder que ficou suscetível ao longo de vários séculos, desde Constantino. Outra fonte importante era a cultura grega e suas vizinhas egípcias e persa.
Nesse esforço de retomar o passado é que foi plausível no renascimento e Iluminismo o surgimento de escolas filosóficas nos moldes dos pitagóricos da antiguidade clássica. Nesse esforço, foi comum certas interpretações, interpolações e em alguns casos confusões. Surgiu figuras como Hermes Trismegisto, Zoroastro, enfim, todos frutos de um esforço louvável em criar novas formas do homem ser.
As associações de profissionais ligadas a “construção civil” não ficaram de fora do movimento cultural de seu tempo, quando surge a feliz associação entre construção ordinária e a construção de si, enquanto indivíduo.
AS ACADEMIAS
No contexto do Renascimento fundou-se em Florença, Itália, um espaço que se tornou ícone do esforço dessa época. Trata-se da Escola Platônica de Florença na qual Marcílio Ficino e Pico dela Mirandola, entre outros, se dedicaram a traduzir e escrever sobre assuntos periféricos ao aristotelismo teológico reinante na Europa continental. Foi nesse lugar e período histórico que o Ocidente passou a ter contato com o Tratado Hermético, um conjunto de livros que estabeleceu as
bases de quase tudo que conhecemos como esoterismo no Ocidente. Como sempre, esses livros foram e ainda são fonte de várias controvérsias e disputas
acaloradas. Para muitos, especialmente os pensadores vinculados à Igreja Romana, esses livros não passam de ideias neo-platônicas, com tudo que esse movimento implica. Para outros, sobretudos pessoas interessadas em esoterismo, são obras primas que revelam conhecimentos mágicos e capazes de fazer coisas fora do alcance de nossas imaginações ordinárias.
O legado dessa escola é suscetível de várias discussões, o que é uma qualidade muito bem vista na Filosofia, pois se a discussão fosse coibida ou dogmática não seria filosofia, mas tosco catecismo. Porém, pode-se dizer que o mesmo espírito que moveu os fundadores dessa experiência cultural na Itália Renascentista se espalhou para o restante da Europa. Estabelecendo relações que podem ser verificadas na base das Academias de Ciências, francesa e outra inglesa, que ainda se fazem presente entre nossos dias.
No seio desse movimento “acadêmico” lançado em Florença, Itália, vale ressaltar um ponto muito importante. Surge dessa experiência algo novo e que os nobres da Europa desconheciam, isto é, a discussão das idéias. Não se concebia a possibilidade de debater e aperfeiçoar idéias na Idade Média sem que isso
colocasse em risco a própria condição de quem havia proposto esse ou aquele pensamento. Se alguém discordasse da idéia de um Conde ou Duque estaria
colocando em risco a própria condição da pessoa ou o nobre mandava matar quem discordasse dele. Portanto não havia discussão e aperfeiçoamento das ideias, mas apenas exposições dogmáticas. Para contrapor esse modelo, o germe plantado nas academias da Renascença consistia em um espaço íntimo e propício para debater ideias sobre tudo e qualquer coisa, sem correr risco de vida.
As Academias da Renascença nasceram com o apoio financeiro dos Medicis, uma rica família de comerciantes de Florença. Outras Academias, como a do Cimento e a de Real Academia de Ciência da França e a Real Sociedade de Londres para o Progresso do Conhecimento da Natureza, também já nasceram com muito dinheiro no caixa. Porém, como que nas margens do Poder de quem tinha dinheiro, surgiu toda uma cultura inspirada pelo desejo de retomar um jeito de ser e viver que a tempo havia se perdido. Entre os inventos mais conhecidos foram as associações de sociabilidade. Salões de chá, teatro, literatura, declamações de poemas, as animadas conversas de bares e cafés.
AS ASSOCIAÇÕES MENOS IMPORTANTES
Alguns foram um pouco mais longe fundando associações formais, com regras, hierarquia e intervenções sociais mais elaboradas. Os Compangones de França é um feliz exemplo em atividade nos dias de hoje. Considerado pela Unesco como patrimônio cultural. Com certa semelhança e com muito mais notoriedade tem ainda a franco-maçonaria, ou os pedreiros-franco.
Os fraco-maçons eram os que em algum dia no passado, na alta e baixa idade média, trabalhavam na construção civil e utilizavam um tipo específico de pedra. Outra alcunha que esse grupo adotou foi a de pedreiros livres, pois, no espírito de reformar e reinventar um novo jeito de ser, eles verificaram que na Idade Média existia uma forma de trabalho onde havia uma certa liberdade, dentre as várias outras de servidão, que era a dos “pedreiros”. Por uma questão obvia, os especialistas em fazer casas, castelos e igrejas tinha que se locomover de uma região a outra. Após terminar uma empreitada, eles eram muito bem-vindos em outra propriedade.
Nesse contexto de “operários”, o termo maçom ganhou outro significado, pois foi tomado como modalidade de organizações com fins de estudos e convivência. Em algum momento da história a ideia de Jesus de Nazaré ganha força e uma mera aglomeração de operários passa a ter outros fins. Construir o templo significa um exercício sobre a subjetividade, uma metáfora para falar de um jeito de se educar.
A MAÇONARIA PROPRIAMENTE
A força dos termos ligados à “construção civil” e das associações com esse nome motivou milhares o surgimento de vários grupos não só pela Europa, mas teve seu ápice público nos Estados Unidos da América do Norte.
A história da Franco-maçonaria é um labirinto de teses e informações que nos leva a desistir de querer propor um mapa desse quebra cabeça. Para os que conhecem as cidades da Europa o caminho de compreender essa história pode ser outra via. A observação das estrutura urbanas, com um modelo de construção de casas, edifícios, pontes, castelos, dutos, etc, pode nos dizer muito. A quantidade de
edificação que utiliza pedras é impressionante e nos dá ao menos a pista de que multidões de pessoas trabalhavam nessa cadeia produtiva.
Os túneis debaixo de Paris são um exemplo que nos leva a pensar. Atualmente tem apenas 9 km abertos para visitas ao público. Porém, dados oficiais da prefeitura de Paris registra aproximadamente 300 km de túneis. O que constitui em verdadeiro problema público de afundamentos. Na construção dos vários túneis do metrô de Paris as antigas marcas de extração de pedra provou um enorme desabamento. Existe um órgão específico da prefeitura de Paris que cuida desses subterrâneos e dos problemas que eles ainda hoje provocam. Aliás, os aventureiros em explorar os túneis constituem verdadeira iguaria da eclética Paris.
Podemos fazer a inferência que a construção civil
sempre empregou muita gente e que entre os vários
pedreiros haviam aqueles que foram tornando-se mais
polidos do ponto de vistas da cultura letrada. Operando uma passagem do trabalho concreto
de extração e construção para a de administrador desses processos. A longa cadeia produtiva da construção civil tornou-se o ambiente no qual a Filosofia Renascentista e Iluminista fermentou.
Em uma fase mais sofisticada pode-se verificar na franco-maçonaria homens de elevado papel na hierarquia social. Porém, na sua origem indiscutível o fato de que serviço de pedreiro era praticado por pessoas simples e que, com o passar do
tempo, foram exercendo algum tipo de poder sobre os processos da cadeia produtiva da construção civil. Para exercer essa função de comando pode-se fazer a mesma inferência de que o conhecimento filosófico ou as ideias que compõe o grande caldo cultural do Renascimento e Iluminismo tenha se tornado apreciada por esses administradores.
O que explica a permanência de metáforas da construção civil para se pensar e falar de filosofia. Soma-se ainda outro fato, como nos alerta alguns pesquisadores de História. Existiu o grande Iluminismo, feito por nobres e burgueses, e o pequeno Iluminismo ou aquele feito pelas pessoas mais simples. Nesse contexto de ideais iluministas mais populares, a razão ocupava um lugar privilegiado, mas não se expurgava a presença de Deus. O que nos faz retomar novamente a ideia cristã de que o importante é Templo interno. “Deixar que Deus habite vosso coração, ser morada de Deus”.
O fenômeno social da construção civil na Europa parece-nos uma tese forte para explicar em bases materiais o surgimento e sofisticação das associações que utilizavam como método de formação metáforas da construção. A força da franco-maçonaria foi aliar as condições materiais disponíveis à discussão filosófica. O que lhe rendeu muita força, pois considerou e utilizou elementos presentes na vida do cotidiano de milhares de pessoas.
CONCLUSÃO
Uma Academia Maçônica de Filosofia assume para si o adjetivo maçom na perspectiva de encarar o difícil papel de ensinar Filosofia nos dias de hoje. A eficiência no uso das metáforas da construção civil nos parece ter força ainda hoje. Convidar alguém a ser mais culto e ser um cidadão mais ativo pode parecer abstrato demais para um aluno de ensino médio. Porém, se apresentarmos uma imagem na qual contém uma escultura e que a mesma age sobre si, teremos um efeito mais amplo do que dizer o ditado inscrito no templo de Delfos “conheça-te a ti mesmo”, a qual Sócrates tomou para si e as vezes é até confundida entre nós como sendo dele.
Os efeitos do conhecer a si também encontram ecos na ideia de Jesus de Nazaré em construir o templo em si.
Enfim, a Academia Maçônica de Filosofia só tem relação com o que conhecemos hoje como Maçonaria para aqueles que concluem apressadamente. Para esses até mesmo o empréstimo de um termo da língua ordinária, que não é de domínio privado, pode parecer mero acaso, truque para enganar internautas. O que se pretende com esse projeto de formação em filosofia é fazer uso de um longo e farto acervo de conhecimento disponível nas melhores bibliotecas do Brasil, França, Argentina, entre outros países.
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