
Mestre e discípulo
Prof. Me. Cídio Lopes de Almeida
LOPES DE ALMEIDA, C. Mestre e discípulo. 2ed. AMF3: São Paulo. 2021. Acessível em:https://amf3.com.br/mestre-e-discipulo/
Ter discípulos ou ser discípulos são situações no interior do magistério que em nossos dias parecem estar fora de “moda” e pertencente apenas ao mundo das ficções ou período histórico medieval. Preferimos o lugar mais comum de professor e aluno. Contudo, como professor particular de filosofia o tema tem-se feito presente de várias formas, mesmo que eu tenha certa resistência em falar dele. De fato, na relação de professor particular de filosofia, com frequência desloca-se daquela “necessidade” habitual de quem contrata esse serviço educacional. E de modo orgânico caminha-se para uma relação interpessoal que nos remete ao tema do mestre e do discípulo.
Dado a recorrência, tenho compartilhado reflexões à solta com os alunos/discípulos. Nesse caso duas experiências são as que habitualmente nos vem a mente. A primeira foi sem dúvidas nosso percurso de formação intelectual na Igreja Católica. No contexto eclesiástico falamos de “mestre de noviços”, orientador espiritual, entre outras relações pedagógicas que vão além do ordinário. A segunda memória que temos é a obra Banquete do filósofo Platão, na qual é tratado não só o que é o amor, mas em que sentido esse esta relacionado no processo dialético de ascensão do mundo sensível ao mundo inteligível. Portanto, a importância do amor no processo gnosiológico e, sobretudo, da relação amorosa entre mestre e discípulo nesse contexto de conhecimento. Saltar do conhecido, onde está o discípulo, na direção do desconhecido, que é o mundo das Ideias sempre implica o amor. O que faz esse movimento acontecer é o amor. E quando um mestre se coloca como esse companheiro de viagem, seu método deve ser justamente amoroso. A jornada do discípulo do desconhecido ao conhecido é movida pela amorosidade.
Ainda nesse cenário de procurar ler um pouco mais sobre o tema, encontro com o texto de Francis Wolf sobre três tipos de “discípulos” na Filosofia Antiga. No qual o autor aborda três tipos de discípulos. Os de Sócrates, os de Epicuro e os de Aristóteles. Na nossa perspectiva Sócrates teria o método que atualmente orienta nossas reflexões, pois é centrado na liberdade do discípulo, que antes de qualquer coisa precisa conhecer a si, para depois aos outros.
O que para nós aqui é o tema fundamental é compreender que certas relações tem um começo e depois muda. Começamos como professor e alunos, mas o tempo e uma dada interação pedagógica nos faz migrar para um estado de alma que denominamos de outro jeito. Podemos até manter os nomes habituais de professor e aluno, mas a relação já é outra. Nesse caso, deixa-se de ser professor e aluno e pode-se passar para mestre e discípulo. Nesse novo cenário uma pergunta se mostra rapidamente. Então o que um “mestre” de filosofia ensina ao seu discípulo?
Para responder a essa pergunta recorro à historia da Filosofia, precisamente a Sócrates como um modelo para nós. Foram discípulos desse metre não só Platão, mas Euclides e Antístenes, entre outros. Três discípulos com produções e atitudes totalmente diferente entre si. O que indica que Sócrates não ensina um algo dado, um corpus teórico. O que esse mestre da Ágora(praça) da Atenas dos século V a.C gostava de fazer era justamente auxiliar seus discípulos a “parirem ideias”. Esse jeito de ser mestre tem história, em nossos dias Agostinho da Silva (1906 – 1994), o filósofo luso-brasileiro, era um partidário dele. Sendo socrático ele afirmava que o mais importante é “fazer-se poema”. O que o insere numa longa cadeia de mestres que ensinavam aos seus discípulos o caminho de estarem verdadeiramente consigo.
Dos grandes mestres da filosofia para o que fazemos em nossa AMF3 Escola de Filosofia temos como ponto em comum tal método. O que nos move é justamente uma relação pedagógica capaz de promover interação entre a singularidade do discípulo/aluno com os temas da Filosofia. Como mestre somos companheiros de viagem, que procura partilhar certas experiências o sentido de consolidar as experiências de cada um, segundo que mais lhe engaja como sujeito na existência.
O fundamento do nosso trabalho é justamente a relação solene entre alguém que deseja conhecer os vários saberes filosóficos e em que medida eles podem lhe tornar efetivamente sujeito de si. Para cada pessoa há percursos específicos. E o processo ocorre através de aulas regulares com um professor/mestre. Sendo a periodicidades algo também variado.
Para alguns os pequenos textos poemas tem sido um acesso que toca a alma. E no meio de tantas outras atividades da vida, eles são gotas filosóficas que ao tocaram as retinas, expandem graciosamente na alma. E a visita aos textos se fazem esporadicamente. Para outros, temos pequenos vídeos que também apresentam pílulas temáticas que conseguem ficar no horizonte dos pensamentos ao longo do dia. Nesses dois casos a vida segue, e esse contato pode se manter assim por anos, porém, após certo tempo, se constrói aí um tipo de vínculo mestre e discípulo e não mais um mero lidar com textos sem um autor.
Outro tipo de vínculo é aquele mais sistemático. Com aulas regulares toda semana. Por uma série de fatores e motivos, pessoas se dedicam a ler e refletir temas específicos da filosofia. Seja Platão, Aristóteles, Tomás de Aquino, Espinosa, Kant, Nietzsche, Agostinho da Silva, a leitura dos textos desdobra-se não só na posse de um saber, mas em que medida tal saber compõe-se com o meu viver cotidiano. Incentiva-se e mesmo acompanha nessa fase a escrita filosófica como parte importante do aprendizado.
Nos dois casos, o “método socrático” é o que mais nos orienta. A liberdade do discípulo/aluno é o fundamento.
Em conclusão, não se deseja ensinar a minha “filosofia” a você, mas de lhe ensinar a filosofar; e isso pode ser feito de várias formas, no uso de textos estruturados, de poemas, de fragmentos de ideias, de questões existenciais, espirituais, etc. Através de aulas semanais ou de contatos esparsos no tempo; leitura de textos, conversas esporádicas. Quem decide em se fazer discípulo é claro que só pode ser o próprio discípulo, pois será sempre da vontade desse chegar ou partir.
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