Humanismo e Renascimento

Humanismo e Renascimento

Humanismo e Renascimento

 Prof. Me. Cídio Lopes de Almeida

Editor e promotor de difusão científica/filosófica do

Projeto AMF3 Escola de Filosofia

 

“O homem é a medida de todas as coisas” (Protágoras)

 

LOPES DE ALMEIDA, C. Humanismo e Renascimento. 2ed. AMF3: São Paulo. 2021. Acessível em: https://amf3.com.br/humanismo-e-renascimento

 

Introdução

O presente texto pretende abordar um momento específico da longa história da Filosofia. Trata-se de um período de transição da Idade Média para a Modernidade. Como quase tudo em filosofia é suscetível de discussão, o início da Modernidade não ficaria de fora. Para efeitos de dar ordem ao início da conversa escolho o ano de 1500 como início da Modernidade. Associo também a figura do pensador René Descartes (1596 – 1650) a essa época.

Porém, esse período pode ser visto mais de perto, o que irá nos revelar outros pensadores e pensamentos. Como Pico dela Mirandola, Marsílio Ficino, Pleton, Agripa, Bruno e vários outros que cobrem um período histórico que vai de Cola de Rienzo(1304-1374) até um Kepler (1571-1630).

Ainda a título de introdução, vale ressaltar que as mudanças de épocas não se dão em apenas um âmbito. Nesse sentido pode-se dizer de modernidade nas artes, modernidade na filosofia, modernidade na política. Para alguns a modernidade na filosofia estaria ligada a René Descartes (1596 – ]1650). Já no âmbito do Poder ou da política essa modernidade só estaria na Revolução Francesa em 1892. Porém, essas mudanças só foram possíveis ou ganharam forças substanciais com as navegações e, especialmente, a descoberta do Novo Mundo (1492). Por fim, associa-se ao humanismo o renascimento e são dois temas muito debatidos entre historiadores da filosofia, pois para alguns esses dois momentos são apenas um; outros ainda não consideram que sob esses nomes possa conceber alguma contribuição filosófica.

1. Humanismo

Em geral os termos que designam uma época surgem depois dela. No caso do humanismo, o conceito propriamente dito parece ter surgido em 1800, especificamente pelo filósofo e teólogo alemão F.I. Niethammer (1766-1848).

 Outra forma de abordagem é verificar como os próprios ‘humanistas’ se viam ou se comportavam. Nesse sentido, pode-se dizer que eles se dedicavam ao homem como centro das coisas, daí humanismo. Longe de ser um hedonismo, a preocupação desses pensadores era um tipo de saber que falasse do próprio homem, em detrimento, na época muito em voga, do pensamento abstrato e metafísico apregoado pelo aristotelismo.

Outra marca desses humanistas foi a ideia de estudar a litterae humanae, isto é, as literatura humanas produzidas pelos pensadores da Grécia Clássica e Latina para opor ao pensamento cristão medieval ou mesmo árabe da península Ibérica.(lembrando que entre os árabes, apensar de haver a divulgação do aristotelismo, havia pensadores que discordava dessa influência, entre eles podemos citar Al-Ghazali,(1058 — 1111).

A ideia, portanto, era fazer com que o estudo das chamadas “artes liberais” promovesse o espírito humano. A formação do espírito humano era o propósito de se lançar no estudo da retórica, da lógica, poesia e filosofia. Para os dias de hoje, ainda que estejamos sendo suplantado pela tecnologia, esse detalhe passa ao largo. Contudo, o contexto medieval esse movimento retomou a idéia grega de Paidéia, isto é, formação do espírito humano. De certo modo tal posicionamento consiste em romper com a Igreja que apregoava certo desprezo pela vida terrena, grosso modo, o imp0rtante era se preparar para o céu e deixar a vida de lado.

3. Contexto do Humanismo

 Em 1453 ocorre a queda de Constantinopla, capturada pelo Sultão Otomano Maomé II. Um pouco antes, O Imperador bizantino, na tentativa de salvar o que restava do antigo Império Romano, procura participar do Concílio Ecumênico em Florença[1] para angariar aliados.

Com a ocupação de Constantinopla acontece a mesma diáspora de intelectuais que assistimos em outros momentos e lugares da história. Nesse caso, um pouco antes da queda e por ocasião do Grande Concílio, uma figura em especial deve ser destacada. Trata-se de Jorge Gemistos Pléton. Para alguns historiadores da Filosofia, o Pléton seria uma posse indevida, pois com isso esse pensador bizantino se dizia a própria encarnação de Platão.

O fato é que houve nesse período uma grande migração de conhecimento oriental para a Itália, especialmente para Florença, uma das cidades mais ricas da época. Nessa cidade havia, também, outras diferenças além da riqueza. O dístico fundamental estava na forma como era produzida essa riqueza e seus donos, entre eles, os famosos Médicis.

Ao contrário do restante da Europa feudal, a Itália teve nos seus portos contato comercial privilegiado com o mediterrâneo e a riqueza produzida em Florença, que certamente tinha no porto da cidade de Livorno sua porta para o mar, era oriunda do comércio.

Por isso que Florença (Firenzi) é considerada o berço do Humanismo Renascentista.  Sob a tutela de uma elite comercial é que é a idéia de retomada do valor do homem irá se construir.

Nessa cidade, sob o patrocínio de um dos Medicis, Cosme – o Velho, é que surge a Academia Platônica, posteriormente denominada Academia Platônica de Florença. Nesse contexto deu-se uma intensa busca pela cultura grega e oriental. Certamente como forma das novas elites se afirmarem frente a cultura clerical e feudal.

4. A Academia Platônica de Florença

 Sob a direção de Marsílio Ficino a Academia Platônica constitui-se em um novo espaço de cultivo do saber. Um lugar fora dos velhos espaços da Igreja, acostumada ao aristotelismo que muito bem servia aos interesses de imposição dogmática. 

As atividades de tradução resultaram no aparecimento dos mais variados conhecimentos. Hermes, Zoroastro, Orfeu, Qabalah, entre vários outros passaram a impressionar ‘pensadores’ como Ficino e Pico dela Mirandola.

O empenho de Ficino resultou na tradução do Corpus Hermeticu, Comentaria in Zoroastrem, Enéadas de Plotino e Dionísio Areopagita.
Produção teórica que nos dias de hoje são consideradas falsas, isto é, os seus autores no olhar da filologia moderna não existiram e os conhecimentos aí presentes não são de contextos egípcios ou persas. Provavelmente foi apenas uma produção do próprio medievo oriundo do Império Bizantino.

Independente dos autores serem verdadeiros ou não, o fato é que esse novo tipo de conhecimento introduz tentativas de saberes que tomassem o homem não como fruto do “pecado original”, a queda de Adão. Passaram a considerar o homem como sendo uma criatura maravilhosa, até mesmo sendo um tipo de Deus, enquanto criado por Deus.

Posto o homem no centro, os conhecimentos procuraram interferir na natureza. Não apenas descrevê-la, como fazia os naturalistas árabes. Inicialmente os métodos variavam, mas podemos afirmar que sob o nome de ‘magia’ e suas definições temos as primeiras tentativas de lidar com a natureza de modo “científico”.

5. As Academias no Período da Renascença

Outro modelo de Academia foram as de Ciências. A Real Academia de Ciência de Londres (Royal Society ou The Royal Society of London for the Improvement of Natural Knowledge) é a mais famosa e a que perdura ainda nos dias de hoje.  Da mesma época é a Académie des Sciences, situada em Paris.

 

A característica dessas academias de Ciência, o que as difere fundamentalmente das demais, é a ideia de publicidade dos conhecimentos. No contexto do Renascimento havia certa presença aristocrática entre os que se dedicavam as ‘letras’. Nesse sentido, mesmo registrando os avanços dos humanistas em vários âmbitos do saber, permanecia um status para os ‘mestres’ e
‘doutores’ que em muito se aproximava daqueles praticados no medievo.

Nesse contexto colocar em cheque uma teoria era criar problemas sérios. Pois estava em jogo o próprio status da pessoa que a propôs. Essa ideia de discutir as ideias e não as pessoas, fundamental para o progresso do saber, não era comum. Até nos nossos dias, na cultura das massas, poderemos verificar que as pessoas não ‘aceitam’ críticas por considerar que a questão em jogo é a sua própria dignidade. Dificilmente alguém que não seja das ciências ou filosofia nos dias de hoje consegue superar e estar preparada para receber críticas pelas opiniões dadas.

No Renascimento essa posição ainda era corrente. Por isso a ideia de colocar um “invento” a público para se testado e verificado segundo as prescrições do inventor constituía em algo raro.

Além dessa posição política revolucionária, as Academia de Ciências também propiciavam abertura para os testes práticos das ideias concebidas no âmbito matemático.

A verificação de uma teoria acerca de um fenômeno, não
tinha logo no início do Renascimento condições de ser verificada na prática.  Algumas teorias só foram testadas muito recentes, pois, ainda no calor do Renascimento, havia certo desdém pelo prático. Os ‘doutores’ por desprezarem os serviços manuais, acabam por se portarem como seres puros.

No âmbito das Academias de Ciências assiste-se a entrada vagarosa de instrumentos de aferimento das teorias matemáticas. O que as coloca como precursoras da revolução Industrial, uma vez que no seu interior houve o casamento entre o fazer técnico ou de instrumentos e o fazer intelectual ou teórico.

6. A maçonaria e suas congêneres.

A Maçonaria parece ter procurado casar as duas tendências. Ao fazer uso das metáforas ligadas às construções e adicionar conteúdos de Filosofia e suas implicações com tradições orientalistas, esse tipo de associação procurou conter em si os elementos necessários para promover o saber da época e operou uma síntese entre as Escolas do Renascimento e as Academias de Ciências.

Porém, diferente da história das Academias de Ciência, a Maçonaria parece ter encontrado lastro nas discussões políticas. Sua contribuição ao longo de sua história mais produtiva, isto é, nos anos antes de 1700 até o 1900, parece ter sido a de permitir um tipo de reunião ou sociabilidade que promoveu em muito as ideias políticas do liberalismo como modelo de Estado.

Como qualquer outra instituição, a maçonaria não era uma ‘obediência’  por toda Europa. Contradições e posicionamentos políticos foram os mais diversos. Um exemplo é o contexto da Revolução Francesa. A maçonaria não era unanimemente partidária, muito menos os Ideiais de Liberdade, Fraternidade e Igualdade eram seus.

De qualquer modo, a maçonaria nesse contexto de Renascimento até o ‘800 tem o mérito de ter conseguido se estabelecer e não se perder. A várias sociedades que surgiram e desapareceram são incontáveis. A cada novo guru uma nova fórmula mágica e milagrosa surgia junto. Alguns constituíam apenas alguns membros, mas se posicionavam como sendo o centro do universo.

Enfim, apesar das modas orientalistas sempre ter fascinados os europeus, a Maçonaria conseguiu emergir dessa miríade de associações fantásticas e mesmo tendo várias dissidências, consegue se fixar como Instituição e até mesmo construir uma história documentada a partir da fundação da Grande Loja Unida da Inglaterra.

A Maçonaria conseguiu resistir a fragmentação até chegar a dissolução. Parte desse feito pode ser tributada no modo que o Poder é distribuído no seu interior. Apesar dos nomes pomposos como Grão-Mestrado (mesmo que um ‘Potencia’ tenha apenas 90menbros), Grande Comendador, Real Arco, Soberano-Comendador, o exercício do Poder é feito na base da rotatividade. Talvez fruto do próprio rumo político que a Maçonaria tomou.

A Maçonaria conseguiu manter-se como Instituição ao estabelecer a idéia de um ponto fixo (LandMark) como elemento indenitário e, ao mesmo tempo, permitiu a inovação. Esses dois elementos antitéticos foi acomodado no seio da Maçonaria e deve ser mais bem estudado, pois é fundamental quando se compara com os milhares de outros Institutos que nasceram aos montes, mas que acabavam na mesma velocidade. 

Conclusão.

A Maçonaria consegue em partes fazer uma transição histórica do Renascimento para os nossos dias. Seu modelo de organização, por mais que seja suscetível de críticas, conseguiu manter-se coeso e ainda obteve expansão não só na Europa, mas no Novo Mundo.

Outra marca desse modelo de associação é a forma de vínculo entre os membros. Misturando elementos de sacralização e filosofias laicas, a ideia de irmandade, a forma de governo das Lojas, que sempre permite que cada pessoa seja sujeita do processo local dos trabalhos, propiciou um modelo de Educação que descentraliza o governo do quê estudar. Cada participante, no auge criativo dessa associação, podia investigar os mais variados temas, sem um currículo advindo de um governo central. Mesmo que os manuais determinem alguns conteúdos, de formação humana propedêutica, há liberdade e incentivo para a busca do saber.

 Mas tudo isso em algum lugar do passado, especialmente o ‘800. Nos dias de hoje a Maçonaria passa por algumas crises. Entre elas a de utilidade. A sociabilidade nos dias de hoje é feita por outros meios. Outro ponto é o objeto da Maçonaria saiu de moda, isto é, no seu ponto mais ativo foram as questões políticas que fizeram dela um lugar privilegiado. Após a consolidação dos Estados Liberais, a discussão que tomou centro foi à economia, um tipo de saber que é essencialmente ‘particular’. O discurso econômico como centro da ‘política’ atual afastou as condições contextuais que gerou a Maçonaria.

No embate político do antes e pós-revolução francesa ainda prevalecia certa convivência. A política é exatamente o encontro com o outro. Já a economia assenta-se na base da disputa com o outro. Uma vez estabelecida as regras do jogo, isto é, o modelo de Estado Liberal com todo o seu aparato jurídico, agora é a vez de jogar e a sociabilidade não tem lugar nesse jogo.

Com isso a maçonaria assiste sua decadência. Mesmo com alguns movimentos positivos nos Estados Unidos, não se verifica mais o desenvolvimento de papel principal. A partir de então, é comum, ao contrário, a Maçonaria pegar carona nos acontecimentos sociais. Nessa nova fase é melhor encaminharmos para a psicologia, pois com esse instrumento iremos compreender melhor como ainda hoje existe a Maçonaria. Sua existência nos dias hoje está mais a cargo de desenvolver funções psíquicas junto a indivíduos específicos.

 

 

 

 

 

 

[1] Esse concílio começou
em Basiléia, hoje Suíça. (Para evitar interferência de Reis e Papas romanos;
Contudo foi transferido para a cidade de Ferra e depois para Firenzi –
Florença)

 


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