Ensaios:
Empreendedorismo e as pseudo-ciências:
como as modas encobrem os reais dilemas da economia.
Prof. Me. Cídio Lopes de Almeida
amf3.com.br
Introdução
Faço o esboço no presente ensaio que procura estabelecer relação entre a importância do conhecimento rigoroso como as demandas de empreender economicamente. Saliento que, por outro lado, vivemos numa época que tem vigorado o falso conhecimento sobre todos os domínios, o que afeta profundamente a empreitada de empreender do ponto de vista econômico. Concluo indicando que é pelo cuidado da cultura em geral, mas escolar sobretudo, que se deve articular qualquer iniciativa de empreendedorismo.
No saber podemos melhorar ou piorar.
Se por um lado sempre destacamos a importância de uma sociabilidade filosófica, como meio de difusão de uma cultura geral qualificada, na mesma empreitada, por outro lado, sempre denunciamos a necessidade de se ater a qualidade dos argumentos e pensamentos cultivados no seio desse grupo de cunho social e cultural.
Nossa preocupação é que habitualmente não se conseguia delimitar de modo adequado o que era mero desejo, visões parciais, com algo válido objetivamente. Desconhecendo por completo tudo aquilo que Immanuel Kant procurou circunscrever como “sendo os limites da razão” na sua monumental obra Crítica da Razão Pura.
Kant é evocado aqui justamente por ter sido ele o autor do artigo “O que é o esclarecimento?” (Iluminismo), justamente um importante referencial para todo o movimento iluminista. Como fenômeno social cultural, o Iluminismo foi amplo, comportando contradições, ma no computo geral podemos verificar estreita relação dele com os Estados Modernos e todos os desdobramentos para vida social que decorrem dessas invenções.
Em especial para nós brasileiros, perdemos de vista o que é um estado autoritário; mesmo os 25 anos de governo ditatorial, entre 1964-85, mais recente não se faz vincado na memória mais ampla da população brasileira.
O fato é, hoje habituamos com certos benefícios do que seja o Estado moderno e poucos são os que se dão conta dele. Outro benefício decorrente do Iluminismo, mesmo que fazendo ponderações relevantes em certos desdobramentos do positivismo, foi a estruturação da produção científica, como conhecemos ela hoje. Desdobrando em todas as esferas da vida cotidiana. Se infelizmente esse saber técnico-científico fez com que as duas Grande Guerras Mundiais matassem muito mais, temos hoje os benefícios na medicina decorrentes daí.
Resta-nos avançar em muitos setores, curiosamente os avanços técnicos não tem sido acompanhados de avanços na esfera humana ou, sendo preciso, na esfera das relações humanas. A desigualdade econômica é o elemento mais objetivo que podemos verificar no Brasil e nos demais países mundo afora.
E nesse setor do desenvolvimento humano com frequência ficamos assustados. Como retrogrado pode ser o pensamento de muitos para esse campo das coisas humanas. Ao nível bem vulgar, será comum o apelo das massas por vingança, sem fazerem o mínimo de reflexão que “justiça” é um estágio refinado da humanidade, totalmente contraposto ao barbarismo. Ademais, também vamos notar um certo tipo de pensamento no campo das iniciativas econômicas, que ignoram questões elementares dos longos anos de desenvolvimento humano também nesse setor.
Vemos modas baseadas em repetições de ideias que no geral atribui à pessoas total responsabilidade pelo seu sucesso econômico ou não. São ideias importadas na forma de livros nomeadamente dos U.S.A. E que chegam como sendo a última novidade da “metrópole”.
Nesse setor impera um tipo de “pseudociência”, na qual sempre tem uma moda passageira que promete “mundos e fundos” para as dimensões da economia, do sentido da vida, etc.
Esse disse-não-me-disse se coloca a falar de “empreendedorismo” sendo que estamos a ver uma problemática global na qual o emprego de tecnologias fazem com que não haja mais postos de trabalho. Não conseguem vislumbrar isso como sendo um problema, aliás, procuram esconder o problema, criticando de modo caricato quem ousa justamente levantar e delinear o problema.
Nesse cenário no qual a razão deixa de reconhecer os seus limites, portanto, se atendo ao que é sua atribuição, de como ela deve funcionar de modo apropriado, vemos os gurus darem saltos fabulosos sobre os fatos reais e sociais. Não é de se estranhar que atualmente o “guru” da moda seja justamente alguém que não frequentou a escola. Sim o famigerado guru do pensamento de extrema-direita brasileira ficou na ‘4 série”(10 anos de idade) da Educação Fundamental I. É claro que o mesmo é um autodidata e até certo ponto de muito sucesso. Que o mesmo não foi a escola, mas se aplicou a leitura e à aquisição de “capital cultural”.
O problema é que a ausência desse senhor ao espaço escolar, que fatura muito bem com venda de livros, o fez ter um ódio lapidar contra não só às instituições educacionais brasileiras, mas fez mesmo absorver um tipo de expediente de pensamento que é pura falsificação. É movida por um desejo insano de poder e custe o que custar, o que importa é o meu “aparente” argumento ganhar; incluíndo a abjeta ideia de “guerra cultural”, que como guerra é justamente a eliminação do outro.
Esse referido guru não faz portanto uma crítica ao sistema escolar brasileiro, que no geral é racista, sexista e elitista. Mesmo que na sua fala apareçam aqui acolá esses elementos, o mesmo não está e não se ocupa em criticar esse sistema; a sua crítica consiste em aparente diálogo, pois no modelo de guerra cultural o que importa destruir. E no caso de um projeto egoísta, movido por ódio, não tem um projeto para se colocar no lugar. A ocupação principal do guru são seus ganhos imediatos, seja na venda de livros, seja nos seus conchaves políticos monetários.
O disse-não-me-disse é portanto o estágio que estamos na atualidade, ganhando até um certo contorno intelectual pela pena do referido guru.
Nesse contexto “gasoso”, já nem sendo mais líquido, somos obrigados e sempre pontuar e demarcar que a abordagem que se deseja sobre qualquer que seja o fato é uma “pegada” científica.
Como filósofo é preciso pontuar que se trata de uma Licença ou curso superior, pois um “youtuber” hoje pode ter “mais sucesso” do que um doutor em qualquer setor; e o mesmo terá mais autoridade sobre as massas.
Não se reclama um “lugar” perdido, mas se denuncia as graves consequências do falso saber tomando o lugar do saber sistematizado. Sabemos que o “achismo”, sobretudo quando analisamos a nossa história recente, não nos leva muito longe. Não é válido tomar acasos e colocar ele no centro dos argumentos favoráveis ao atual cenário de não-saber como máxima.
O que na prática essas modas de pseudo-saber cumprem é justamente impedir as pessoas de acessarem os verdadeiros problemas. Não empreendedorismo sem políticas públicas, o resto é “papo de vendedor” desqualificado.
Não é possível o Estado se abster do seu papel fundamental. E essas modas empreendedoras que omitem isso, cumprem a função de retirar das pessoas a capacidade de poderem elas mesmas pensarem suas realidades. As mesmas se ocupam desse entulho e deixam passar o que é de fato real para elas.
Não se trata de um socialismo, pois as iniciativas das pessoas ainda me parecem muito importantes. Ser artífice de si, do seu percurso, dentro de várias linhas argumentativas coincidem em dizer que é positivo para a sentir-se bem das pessoas. O sentir-se sujeito da própria história tem sito notado como um traço fundamental da condição humana. Viver uma vida dirigia por outros, incluindo aí nas relações familiares, é fonte de adoecimento psíquico.
A liberdade, como amplamente celebrada pelo Iluminismo, é esse vetor fundamental na vida das pessoas. Empreender, ser “dono do seu próprio negócio”, é uma cultura da livre iniciativa. Contudo, isso não elimina por o papel do Estado. Em leituras básicas de Hegel e os demais filósofo que se ocuparam do tema, podemos rapidamente compreender que é preciso ter essa “super-estrutura” que alberga as livres iniciativas no seu interior.
Sem Forças Militares, com consequente indústria militar, sem educação pública, que não poderá ser definida como “educação para quem não pode pagar”(sic), sem sistema de comunicação pública, sistemas viários, ordenamento territorial, separação de poderes constituídos, sistema de justiça, sistema de impressa livre especialmente fundada em “empresa pública” (sem interferência dos poderes constituídos), falar de empreendedorismo nesse contexto é brincar de “faz de contas”. É importar moda dos Estados Unidos da America do Norte. É não ter um mínimo de formação científica/filosófica.
E o que se tomará por empreender nada mais será que estruturas “exploratórias” ao velho modelo pré-Iluminismo, a saber, o velho modelo extrativista colonial. Que é o que podemos rapidamente notar na grande parte dos países, incluindo aí a grande maioria dos falantes de língua portuguesa.
Para ficar no Brasil, a exportação de soja/milho e extração de minério /petróleo, são a “novidade” da econômica por aqui. A frágil indústria brasileira a cada dia encolhe, pois as parcerias internacionais acabaram abrindo espaço para liquidação mesmo do pátio industrial. A falsa ideia de que “concorrer” abertamente era o único caminho para sermos “importantes”, produziu o fato de que um país gigante perdeu sua capacidade indústria de modo absurdo entre o início dos anos 90 para os dias atuais.
É preciso fazer parcerias como todos os países do mundo, e quando houver na Lua, devemos também fazer parceria. A questão é como são feitas essas parcerias.
Não se pode montar parcerias que beneficiam a pessoas. O que é habitual nas “elites” periféricas. Elas acabam se apaixonam tanto pelos países centrais que acabam atuando nos seus países de origem como “agentes” estrangeiros. No Brasil recente temos um objeto exemplar a ser estudado. Tivemos um ordenamento jurídico para a extração de petróleo por ocasião dos Governos Lula e Dilma. Encerrado esses governo, através de um expediente não previsto na Constituição, em poucos meses se fez outro modelo jurídico. Estudar e comparar esses dois modelos constitui exemplo universal para compreendermos o que é ser soberano ou ser Estado vassalo.
Essa modas que cooptam as elites começa cedo no interior de um Estado. A começar pelo mau funcionamento das suas instituições de educação, pesquisa e extensão. O que permite um guru semi-analfabeto indicar Ministros de Estado da Educação.
O próximo passo, já que não se tem estruturas formativas robustas, e o território nacional ser “invadido” pelas modas vindas do exterior. Mais uma vez, aqui a opção não é bloquear o intercâmbio cultural, de modo algum. A questão é que tipo de interação se deve fazer. É preciso recepcionar de modo livre a ideias vindas de fora, mas a base que recebe e processa ela precisa ser algo robusto; algo que só se consegue com uma ampla escola pública de qualidade.
Esse equilíbrio entre o Estado e os cidadãos constitui outra evolução cultural. E que se aprende ela justamente no contexto da escola pública, essa é uma das várias funções desse espaço de sociabilidade. Distribuir os valores cultuais, criar identidade, criar o senso de coletividade e nacionalidade e, fundamentalmente, repartir e cultivar o capital cultural necessário para todas as demais atividades acontecerem.
A República precisa de Exército e de Escola Públicas. Essas duas instituições precisam estarem funcionando bem, do contrário, a praga do achismo, dos gurus, das pseudo-ciências, irão solapar sempre a qualidade de vida no interior do Estado. Num Estado que não cuida da equidade material enter os seus nacionais, as elites serão sempre entrepostos dos países ricos e irão perpetuar a injustiça.
Essa mesma elite nunca conseguirá seu lugar na metrópoles, pois sempre será vista como responsável pelas babares que sustentam nos “seus” países; e entre os seus, serão visto da mesma forma.
Sem se ocupar de uma cultura de base, que se manifesta na Escola Pública, além de ser difusa entre o nacionais em várias outras modalidades, como a música, a culinária, a religiosidade, a pintura, a dança, abordar as dinâmicas econômicas em separado será uma atividade, do ponto de vista científico, falsa-ciência.
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