Prof. Me. Cídio Lopes |
No debate político quando simplificamos e reduzimos o outro em estereótipo, tais como coxinha, perdemos, pois, a vida humana é essencialmente relação. Se relacionamos com algo simplista, seremos tão simplistas como esse outro. E a vida humana é sempre mais humana na medida em que diversifica, que cria pluralidade, etc.
Antônio Paim, um renomado filósofo brasileiro, ao fazer, por exemplo, várias digressões sobre o autoritarismo e, consequente crítica à esquerda do Brasil, não está de todo equivocado. O pensador em questão viveu e experimentou o comunismo russo, estudou filosofia na Universidade Lomonosov em Moscou, e tem, portanto, outro olhar vivencial sobre aquele regime.
Não podemos, por lado, dar outro salto, agora para a direita. O radical nesse processo é sabermos que a multiplicidade das coisas nunca poderá ser reduzida. As teorias e as práticas políticas não são diferentes.
Partimos do fato concreto de que todos nós, com exceções, ao ver algo ruim desejaríamos que isso não existisse. Ou, mas filosófico, ninguém em contato consigo mesmo almejaria que a infelicidades fosse a condição dos outros à minha volta. Em casos bem raros, existem egoístas e eles podem existir tanto no modelo capitalista quanto em outros modelos sociais.
Pois bem, posto a ideia acima, todos imaginam um modelo social para que todos possam ser felizes. E todos também imaginam o que seriam as práticas contrárias.
Como dito, imaginamos. E aí é que mora o problema. Imaginar no geral ocorre fora do contato do que chamamos de realidade. E é nessa linha que tanto os partidários da “esquerda”, quanto os da “direita” se enredam. E todos eles em dado momento irão ter contato com a realidade e cada um irá reagir de modo específico a esse segundo momento. Pois a imagem urdida na cabeça irá encontrar algo que deveria ser idêntico a ela, mas logo se verá que não é. E será na administração desse encontro que termos realmente quem somos.
Se você tem uma condição material razoável, seja como “direitista” ou “esquerdista” você irá sustentar teses que não batem com a realidade. Tal situação é possível na medida em que entre suas ideias e seu “almoço”, o almoço continua a existir todos os dias. Você logo estabelece uma conexão de que suas ideias são pertinentes, pois se há almoço todos os dias, a coisa funciona, posso continuar a pensar/imaginar e tocamos “segue o cortejo”.
Romper essa questão básica é a parte mais difícil ou se dar conta de que em nós existe esse “jeito” operando; saber que eu sou exatamente isso, mesmo que isso funcione no “automático” em mim. Doutro lado, os ditos fracassados, os que o almoço falha com frequência, entre esses podemos ter dificuldade de sustentar alguma reflexão, pois no lugar de fracassado você é “desem-poderado” ao máximo. O seu discurso de fracassado é varrido dos lugares como jornais, livros, novelas, etc., logo, é como se o fracassado não existisse. Tal pessoal não consegue opinar sobre nada e absorve as modas do momento; se identifica com o que os outros pensam.
Os poucos fracassados que ousam construir ideias desde o lugar de fracasso são tidos como “desajustados”. Meros “reclamões”, “mi-mi”.
No geral, portanto, o difícil é tentar pensar sem importar “imagens” gerais. Por exemplo, temos que admitir que certa empatia por um socialismo, sobretudo o russo ou cubano, na verdade era muito mais um desdobramento de ideias “comunitárias” cristãs. Portanto, nada sabíamos do que idealizávamos. O que impedia, por exemplo, de pensar como foi impiedoso e egoísta a figura de um Stalin. De compreender que no seio desse socialismo imperou uma máquina de perseguição e destruição sistemática de opositores.
O apego ao socialismo idealizado se dava por uma questão na base. O que experimentei e chamei de socialismo foi a vida comunitária cristã. Ao dar o nome dessa sensação “sem nome” como sendo socialismo, há, por consequência, a defesa do socialismo em geral. E quando vemos Paim fazendo comparações entre a proposta de governo do PT nos anos 1994 e o que ocorreu no Leste Europeu, ficamos, incialmente, resistente e apenas circunscrevia tais ponderações às posições conservadoras. Porém, se conhecêssemos um pouco mais o que Paim conhecia, de certo modo é possível admitir pertinência em suas comparações. Ainda que mantemos em suspenso o que ele também aponta sobre o socialismo em Cuba e na Nicarágua, será objeto de outro texto.
O mesmo suponho ocorrer com os “direitistas”. Por exemplo, Miguel Reale, citado por Paim, faz uma reflexão sobre o integralismo brasileiro que nos auxilia a pensar como nos apegamos a ideias “pré-concebidas” e não abrimos mão delas. A palavra Integralismo posta, por curto-circuito, nós formados em filosofia no geral, concluímos: fascismo.
Antes, vale lembrar que nos corredores de Faculdades de Filosofia, tanto Miguel Reale ou Paim são, de modo automático, ditos “facistas ou conservadores”. E por isso abandonados de examinar tais autores, o que hoje vemos ter sido um grave prejuízo para a formação de vários Professores de Filosofia entre nós brasileiros. Por chamada de atenção do Prof. Dr. Alexandre de Franco Sá (Coimbra), percebemos que devemos, enquanto pesquisa filosófica, tomar cuidado com generalizações populares sobre temas filosóficos, retomei os autores e neles, por um certo espanto, vejo temas tratados em outros autores da moda. Explico, em Nietzsche, autor da moda, tem-se alguns desafios culturais em torno do tema da Tragédia Grega. Como comunicar com as massas? E como fazer dessa comunicação algo autêntico e que não seja “alienante”. Em resumo, esses desafios são também os de Plínio Salgado, figura do Integralismo; não confundir com outro Plínio, no caso Correia.
E desconhecemos por completo as três correntes desse integralismo e seus apelos estéticos como desafio de levar ideias filosóficas à um grande público. Tendo ainda o desafio, que fora corrente outrora, de construir a singularidade cultural dessa dada parte de pessoas viventes sobre a terra, isto é, partindo da demanda de autenticidade (oposto ao alienado) o que era próprio dessa gente? Mesmo Reale dizendo, por várias vezes, até recente, já próximo à sua morte, que seu posicionamento não era os outros dois, mais radicais, seu nome é associado à “facismo”, ao menos nos corredores de faculdades de filosofia.
Para contrapor os exemplos gerais acima podemos mobilizar Heidegger e seu pensamento. Autor confessadamente adepto do Nazismo, mas que é amplamente estudado em suas ideias filosóficas. Salientando que o pensamento por “curto-circuito” esconde jogos de gosto; de opção por isso e não por aquilo outro. E na política simplificada, objeto desse pequeno texto, ocorre o mesmo.
Retomando o simplismo na política, hoje vemos isso no geral. Não só no Brasil, mas como os brasileiros gostam de dizer “lá fora”, isto é, em outros países, também tem se chegado a esse simplismo. Mesmo em países que nossa ingenuidade acharia que por serem “ricos” não tem isso, tomemos a atual Alemanha e o partido de extrema direita; na Itália; nos USA. Não faltam exemplos. Por mais que se projete iPhones “como nunca”, temos assistido à simplificação do que é viver em sociedade. Se nos eletrônicos temos “avançado”, e a cada lançamento algo “maravilhoso” é apresentado, estamos deixando de lado o “desavanço”, a regressão brutal no que toca às relações humanas. Isso passa desapercebido o simplismo em política é esse regresso. E ele nos assusta, pois em outros cenários da história humana algo que julgamos parecido é o estágio anterior às guerras.
Não se trata de atuar contra os inventos. Trata-se de dar a mesma atenção ao humano por detrás do invento, pois, como disse um médico, em breve teremos “velhinhos” com “peitos” turbinados (silicone) e ou “pinto” eretos (viagra), mas sem saber para que mesmo; ou seja, sem memória, sem o cuidado do humano que não se reduz às duas referências anteriores.
Simplificar que pode parecer algo desejado, não passa de uma falsidade. Enquanto humanos, só somos humanos na medida em que tornamos múltiplo, tornamos complexo a vida; a riqueza, os detalhes é que nos interessa. Ou alguém gostaria de almoçar todos os dias uma “ração”? Algo bem simples, fácil, etc. Creio que não. Portanto, na política é essencial que exista opiniões diferentes e que de oposições sejam feitas nossas relações. E que opor não seja identificado, já numa via simplista, como eliminador. Que o outro seja componente, não uma ameaça mortal.
Enfim, o maior mau é pensarmos a política de modo simples e desejar simplificar tudo.