“Para compreendermos a Escola Pitagórica
precisamos considerar dois acontecimentos que foram decisivos em sua
instauração: 1) o processo emigratório da Ásia Menor para o Sul da Itália e
para a Sicília, conhecidas, na época, como Magna Grécia; 2) a efervescência
religiosa, de tipo dionisíaco, promovendo uma religiosidade de cunho místico e
oracular.”
precisamos considerar dois acontecimentos que foram decisivos em sua
instauração: 1) o processo emigratório da Ásia Menor para o Sul da Itália e
para a Sicília, conhecidas, na época, como Magna Grécia; 2) a efervescência
religiosa, de tipo dionisíaco, promovendo uma religiosidade de cunho místico e
oracular.”
“O avanço dos persas sobre a Jônia nos
meados do século VI a.C., ocasionou uma série de migrações da Ásia Menor rumo
ao Sul da Itália e à Sicília, para as colônias gregas da Magna Grécia. Esse
deslocamento teve dois efeitos principais sobre a filosofia nascente. Em
primeiro lugar, o desenvolvimento filosófico, que se fizera naturalmente e sem
conflitos na Jônia, como consequência natural de suas condições sociais,
econômicas, religiosas e políticas, encontrará, agora, barreiras e
dificuldades, pois a sociedade onde os exilados filósofos vêm se instalar não
possuía as mesmas condições que aquela que haviam deixado. Assim, os primeiros
conflitos entre a filosofia e a cidade ( a pólis) – que iriam marcá-la para
sempre – têm início nesse transplante das ideias jônica para a Magna Grécia. Em
segundo lugar, colocou os exilados jônicos em contato com uma cultura que havia
desenvolvido a oratória ou retórica, “um dos produtos mais característicos da
Grécia ocidental”, conforme Burnet. Em outras palavras, colocou a filosofia em
contato com um dos efeitos da palavra dialogada e leiga dos guerreiros: a
dialética. Esse efeito será menos visível em Pitágoras, mas será decisivo em
Parmênides de Eleia.”
meados do século VI a.C., ocasionou uma série de migrações da Ásia Menor rumo
ao Sul da Itália e à Sicília, para as colônias gregas da Magna Grécia. Esse
deslocamento teve dois efeitos principais sobre a filosofia nascente. Em
primeiro lugar, o desenvolvimento filosófico, que se fizera naturalmente e sem
conflitos na Jônia, como consequência natural de suas condições sociais,
econômicas, religiosas e políticas, encontrará, agora, barreiras e
dificuldades, pois a sociedade onde os exilados filósofos vêm se instalar não
possuía as mesmas condições que aquela que haviam deixado. Assim, os primeiros
conflitos entre a filosofia e a cidade ( a pólis) – que iriam marcá-la para
sempre – têm início nesse transplante das ideias jônica para a Magna Grécia. Em
segundo lugar, colocou os exilados jônicos em contato com uma cultura que havia
desenvolvido a oratória ou retórica, “um dos produtos mais característicos da
Grécia ocidental”, conforme Burnet. Em outras palavras, colocou a filosofia em
contato com um dos efeitos da palavra dialogada e leiga dos guerreiros: a
dialética. Esse efeito será menos visível em Pitágoras, mas será decisivo em
Parmênides de Eleia.”
“O outro fenômeno histórico-cultural
relevante no período é a nova religiosidade que se espalha pela Grécia
continental – na Ática – vindo da Trácia, alcançando a Magna Grécia e atingindo
todo o mundo helênico. Essa religiosidade é completamente diferente daquela
existente na Jônia, onde predominava a religião homérica. Ali, como observamos,
a religião se naturalizara e, racionalizada em mitos mais sofisticados, pudera
ser continuada e desfeita pela cosmologia. A nova religiosidade, ao contrário,
fundada no culto de Dionisos, na presença de profetas inspirados e taumaturgos,
atingiu seu apogeu com a fundação de comunidades e confrarias religiosas
voltadas para os mistérios órficos, sobretudo na Magna Grécia. É a religião dos
Mestres da Verdade – do poeta inspirado, do vidente inspirado, do rei de
justiça – , reunidos em confrarias de iniciados nos mistérios e que têm seu
patrono em Orfeu, aquele que desceu ao Hades (reino dos mortos) e viu a verdade
(alétheia). Os mistérios órficos são,
fundamentalmente, rituais de purificação para que a alma do poeta, do vidente e
do legislador não seja submetida às águas do esquecimento (Léthe) e não equeça o que lhe diz o deus. Esses rituais de
purificação – as orgias – se baseavam na crença na imortalidade da alma,
conseguida após muitas reencarnações ou transmigrações, e a finalidade
ritualística era purificar a alma do iniciado para livrá-lo da “roda dos
nascimentos”.
relevante no período é a nova religiosidade que se espalha pela Grécia
continental – na Ática – vindo da Trácia, alcançando a Magna Grécia e atingindo
todo o mundo helênico. Essa religiosidade é completamente diferente daquela
existente na Jônia, onde predominava a religião homérica. Ali, como observamos,
a religião se naturalizara e, racionalizada em mitos mais sofisticados, pudera
ser continuada e desfeita pela cosmologia. A nova religiosidade, ao contrário,
fundada no culto de Dionisos, na presença de profetas inspirados e taumaturgos,
atingiu seu apogeu com a fundação de comunidades e confrarias religiosas
voltadas para os mistérios órficos, sobretudo na Magna Grécia. É a religião dos
Mestres da Verdade – do poeta inspirado, do vidente inspirado, do rei de
justiça – , reunidos em confrarias de iniciados nos mistérios e que têm seu
patrono em Orfeu, aquele que desceu ao Hades (reino dos mortos) e viu a verdade
(alétheia). Os mistérios órficos são,
fundamentalmente, rituais de purificação para que a alma do poeta, do vidente e
do legislador não seja submetida às águas do esquecimento (Léthe) e não equeça o que lhe diz o deus. Esses rituais de
purificação – as orgias – se baseavam na crença na imortalidade da alma,
conseguida após muitas reencarnações ou transmigrações, e a finalidade
ritualística era purificar a alma do iniciado para livrá-lo da “roda dos
nascimentos”.
“As crenças órficas podem ser resumidas nos
seguintes pontos principais: 1) há no homem a presença de um princípio divino,
ou melhor, de uma potência divina (o
daímon), entidade que governa o destino da alma de cada um e que, com a
alma, vem habitar em um corpo em consequência de uma culpa originária; 2) a
alma existe antes do nascimento do corpo e subsiste depois da morte corporal,
reencarnando-se em corpos sucessivos ou em nascimentos sucessivos cuja
finalidade é purificá-la da culpa, libertando-se desses renascimentos quando
estiver inteiramente purificada; 3) a vida órfica, ou iniciação aos mistérios
sagrados, desenvolve práticas e ritos que ensinam a alma a ouvir os conselhos
de seu daímon, asseguram sua
purificação e podem livrá-la da “roda dos nascimentos”; 4) aquele que não se
purifica, pagará por suas faltas incessantemente, até o fim dos seus dias, a
punição estando na impossibilidade de não renascer continuamente em corpos
sucessivos; 5) porém aquele que se inicia nos mistérios e segue os ritos, não
só se purifica, mas prepara-se para recompensas na vida futura imortal, pois o
destino dos homens é “estar de volta ao divino”, uma vez que cada um é habitado
por um daímon. Saber padecer e
dispor-se a se purificar constitui a educação e o itinerário da alma para
realizar seu destino segundo a justiça, reparadora de todas as culpas.”
seguintes pontos principais: 1) há no homem a presença de um princípio divino,
ou melhor, de uma potência divina (o
daímon), entidade que governa o destino da alma de cada um e que, com a
alma, vem habitar em um corpo em consequência de uma culpa originária; 2) a
alma existe antes do nascimento do corpo e subsiste depois da morte corporal,
reencarnando-se em corpos sucessivos ou em nascimentos sucessivos cuja
finalidade é purificá-la da culpa, libertando-se desses renascimentos quando
estiver inteiramente purificada; 3) a vida órfica, ou iniciação aos mistérios
sagrados, desenvolve práticas e ritos que ensinam a alma a ouvir os conselhos
de seu daímon, asseguram sua
purificação e podem livrá-la da “roda dos nascimentos”; 4) aquele que não se
purifica, pagará por suas faltas incessantemente, até o fim dos seus dias, a
punição estando na impossibilidade de não renascer continuamente em corpos
sucessivos; 5) porém aquele que se inicia nos mistérios e segue os ritos, não
só se purifica, mas prepara-se para recompensas na vida futura imortal, pois o
destino dos homens é “estar de volta ao divino”, uma vez que cada um é habitado
por um daímon. Saber padecer e
dispor-se a se purificar constitui a educação e o itinerário da alma para
realizar seu destino segundo a justiça, reparadora de todas as culpas.”
“A alma, tendo uma origem divina e sendo
imortal, deve tomar consciência de si mesma, elevar-se pela purificação para
fazer jus à imortalidade que os deuses lhe concederam. Exige-se que a alma
permaneça pura e não se deixe contaminar pelas impurezas do corpo (matéria
mortal perecível), que se exercite na pureza, graças a uma vida de elevação
espiritual (áskesis) e aos rituais de
purificação (kátharsis). A religião
deixa de ser uma religião da exterioridade, isto é, do culto aos deuses para
tonar-se uma religião da interioridade, isto é, da ascese moral e da catarse da
alma, hóspede passageira do corpo mortal.”
imortal, deve tomar consciência de si mesma, elevar-se pela purificação para
fazer jus à imortalidade que os deuses lhe concederam. Exige-se que a alma
permaneça pura e não se deixe contaminar pelas impurezas do corpo (matéria
mortal perecível), que se exercite na pureza, graças a uma vida de elevação
espiritual (áskesis) e aos rituais de
purificação (kátharsis). A religião
deixa de ser uma religião da exterioridade, isto é, do culto aos deuses para
tonar-se uma religião da interioridade, isto é, da ascese moral e da catarse da
alma, hóspede passageira do corpo mortal.”
“A religiosidade dos mistérios órficos irá
expandir-se nas colônias gregas e na Grécia continental, reavivando o culto a
Dionisos, de um lado, e dando um novo conteúdo ao culto de Apolo Delfos ou
religião délfica, de outro. No pórtico do templo de Apolo, em Delfos, surge a
máxima inscrita na pedra: “Conheça-te a ti mesmo”. Desenvolve-se a doutrina da sophrosyne e a exigência de que o homem
não perca os limites do humano. Em outras palavras, os mistérios órficos fazem
com que a religião homérica seja transformada, pois, tanto do lado do culto de
Dionisos como do ldo do culto de Apolo, a preocupação com a alma, com a
interioridade, torna-se mais importante do que o culto externo aos deuses. A
religião homérica cultuava os deuses; a religião órfica purifica a alma humana.”
expandir-se nas colônias gregas e na Grécia continental, reavivando o culto a
Dionisos, de um lado, e dando um novo conteúdo ao culto de Apolo Delfos ou
religião délfica, de outro. No pórtico do templo de Apolo, em Delfos, surge a
máxima inscrita na pedra: “Conheça-te a ti mesmo”. Desenvolve-se a doutrina da sophrosyne e a exigência de que o homem
não perca os limites do humano. Em outras palavras, os mistérios órficos fazem
com que a religião homérica seja transformada, pois, tanto do lado do culto de
Dionisos como do ldo do culto de Apolo, a preocupação com a alma, com a
interioridade, torna-se mais importante do que o culto externo aos deuses. A
religião homérica cultuava os deuses; a religião órfica purifica a alma humana.”
“O lado dionisíaco e o lado apolíneo da
cultura grega aparecem pela primeira vez, exprimindo a luta entre o sentimento
trágico da vida (dionisíaco) e o sentimento racional da natureza humana
(apolíneo). É nesse novo contexto que nasce a Escola Pitagórica ou o
pitagorismo, na Magna Grécia.” (CHAUI. 2002. pp. 64-66)
cultura grega aparecem pela primeira vez, exprimindo a luta entre o sentimento
trágico da vida (dionisíaco) e o sentimento racional da natureza humana
(apolíneo). É nesse novo contexto que nasce a Escola Pitagórica ou o
pitagorismo, na Magna Grécia.” (CHAUI. 2002. pp. 64-66)