Youtubers seriam os Sofistas de Hoje?
Cídio Lopes de Almeida
Doutorando em Ciências das Religiões
Faculdade Unida de Vitória, ES/BR
Bolsista FAPES
Como professor em alguns domínios do conhecimento — filosofia, educação e estudos religiosos — tenho me deparado, junto a outros colegas cientistas, com o fenômeno dos influenciadores digitais. Influenciar implica em difundir algum tipo de ideia ou ideias, mesmo que precárias de um ponto lógico e de uma articulação segundo uma dada área de conhecimento profissional. O poder de entregar esta mensagem para um grande público marca esta prática e funciona como critério de verdade ou de validade. O poder do influenciador em distribuir ideias ou visões de mundo está na quantidade de inscritos que suas redes sociais exibem, bem como nas visualizações e interações nas denominadas redes sociais.
O anglicismo “influencers” denota aquele ou aquela que influencia, ou seja, se dedica a uma prática de influenciar. A influência, nesta chave, não está voltada para um campo do conhecimento elaborado, mas para a capacidade de convencer um público de alguma coisa ou, em particular, reter a sua atenção enquanto apresenta algo. Existem influencers de consumo de produtos físicos ou virtuais, e ainda há os que se dedicam a ensinar algo, desde aqueles que participam de jogos eletrônicos e os transmitem em tempo real, até aqueles que ensinam algum tipo de expertise em algum domínio. Há uma certa predileção por dois grupos: o de beleza feminina e o outro ligado ao empreendedorismo, ao ganhar dinheiro.
Esses atores, protagonistas de alguma atividade através dos meios virtuais, têm uma história particular. Em geral, tiveram início de modo amador. Faziam algo como um hobby, como jogar videogame, sem grandes pretensões. O “Flow Podcast”, no Brasil, é um bom exemplo. De uma atividade quase lúdica e privada, seus fundadores foram levados ao lugar de meio de comunicação de alcance nacional. Na atual fase, já fizeram entrevistas com candidatos à presidência da república ou à prefeitura de São Paulo. Envolveram-se em polêmicas, fato que levou este “canal” a mudanças profundas. Fruto de perdas financeiras, um dos fundadores teve que se retirar para não perder patrocinadores, isto é, para não perder muito dinheiro. A problemática foi gerada por uma abordagem inconsequente de uma ideia de liberdade, na qual um dos apresentadores defendeu que, para proteger o direito de expressão, poderia haver um partido político que tivesse como fundamento a intolerância para com os demais cidadãos.
No caso do podcast em tela, uma compreensão razoável de clássicos das Humanidades já seria suficiente para se pensar, no mínimo, o que seja o tema da liberdade, tão caro aos modelos sociais liberais baseados em democracia e direito. Para além dessa limitação de uma formação básica, os influencers nos fazem lembrar um pouco os Sofistas da Antiga Grécia.
Aristóteles nos mostra dois tipos de pensadores ou influencers da sua época, aos quais elaborou uma crítica: os dialéticos e os sofistas. “Os dialéticos e os sofistas exteriormente têm o mesmo aspecto do filósofo […] A dialética e a sofística se dirigem ao mesmo gênero de objeto ao qual se dirige a filosofia; mas a filosofia difere da primeira pelo modo de especular e da segunda pela finalidade da especulação. A dialética move-se às cegas nas coisas que a filosofia conhece verdadeiramente; a sofística é conhecimento aparente, mas não real.” [Aristóteles, Metafísica, 1004h: 20, 2]
Poder-se-ia dizer, sobretudo da lavra dos jovens, que Aristóteles se colocou a defender um tipo de profissional em detrimento de outros. Para além da anedota, a fortuna literária ocidental fez história sobre o tema nos últimos 2 mil anos. A grande indagação está sobre se uma certa aparência de saber, expressa pelos youtubers e influencers de toda sorte, seria válida ou não. A pergunta sobre saber, sobre os métodos, os tipos, não é uma implicação com os influencers, mas faz parte da história da filosofia e da ciência.
Seriam todos eles mentirosos? Restaria a nós, divulgadores científicos e filosóficos formados na academia, o “verdadeiro papel” de difusores de saberes? Sobretudo saberes necessários para uma vida democrática? Saberes capazes de formar uma “visão de mundo” que incluísse pressupostos fundamentais da vida democrática? Sem abandonarmos o Estagirita [Estagira, 384 a.C. – Atenas, 322 a.C.], mas recorrendo a um leitor especializado das suas obras, o Prof. Dr. Carlos de Almeida Lemos [“A Imitação em Aristóteles”, 2009, ISSN 1982-5323], destacamos uma ideia para aplicarmos no caso em apreciação. Retemos “[…] que a natureza teria um princípio interno, enquanto a arte um princípio externo e acidental.”
Seria a arte dos influencers portadora de uma dinâmica própria, inscrita nas esferas do entretenimento, e deveria ela ser observada apenas sob o prisma da “Poética”, dedicada apenas a fabricar uma comédia, uma epopeia, ou quem sabe uma tragédia? Ou, na verdade, seria uma intersecção entre arte e ciência, em que a criatividade dos jovens influenciadores ocupar-se-ia de imitar a dinâmica interna da natureza das coisas pela dinâmica da arte? A arte imitaria a essência da natureza e não sua aparência? E com isto produziriam um conhecimento adequado, uma ciência propriamente?
A partir do pensamento de Aristóteles, somos levados a afirmar que os influencers de hoje se movem como os Sofistas da Grécia Antiga. Estão mais ligados à aparência. Até certo ponto, a ousadia seria aplicar a arte na ciência e procurar imitar os aspectos inerentes à natureza. A imitação em Aristóteles, como aspecto criativo-artístico, consiste nessa tentativa de exprimir uma essência da natureza. O criador, nesse caso, não salta de aparências em aparências, mas procura exprimir a essência.
Por vezes sentimos, quando alguém fala sobre um assunto, que ele não demonstra ser uma autoridade no tema. Esta sensação pressupõe que, de certo modo, culturalmente esperamos que seja expressa não só uma forma, mas algo de dentro. Esta natureza das coisas ditas é o que tem faltado aos influencers. Sobretudo aqueles que ensinam às pessoas a serem empreendedoras ou a venderem um produto, mas eles próprios não têm empresa ou produto para ser vendido, que não seja os cursos deles. E, até certo ponto, as redes sociais têm dado mais palco para esses tipos de produtores de conteúdo digital.
Sabemos que existem excelentes profissionais que compartilham seus conhecimentos por vias como YouTube, TikTok, Facebook, etc. Contudo, temos a sensação de que apenas os incautos influencers alcançam milhares de espectadores e ainda produzem renda com essa atividade. São remunerados para difundir conhecimentos não profissionais, feitos no jogo das aparências, falsos na apreciação de Aristóteles. O entretenimento, como jogo do aparente, ocuparia o lugar da ciência das coisas.
Aristóteles não é a única fonte de leitura da realidade, assim como o recorte que apontamos aqui, mesmo no vasto universo filosófico das suas obras. As redes sociais não têm só um tipo de influencer, pois também são espaço para divulgadores famosos como Atilio Iamarino, entre outros. Contudo, não se pode deixar de registrar que, entre a juventude, os que mais impactam seus imaginários são os que podemos denominar Sofistas Influencers.
As políticas públicas, da cultura e da educação, têm muito a entrar e contribuir neste jogo. As redes sociais não podem ser terreno apenas das “bigtechs”, grandes empresas com traços monopolistas. O Estado precisa contrabalancear esta realidade e ser promotor de influencers cientistas. A praça de nossos dias, o espaço público, tem sido essas redes virtuais, e a ciência promovida pelas agências de fomento, em sua grande maioria estatais, precisa compreender a importância deste jogo; de contrabalançar o que aí é fomentado. Os míticos algoritmos precisam ser postos às claras e desmascarados em seus aspectos meramente econômicos, comprometidos com uma economia da atenção que tem atuado de modo predatório sobre o imaginário da juventude.
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