A resenha crítica analisa as obras “Sobre o Problema do Ser” (Zur Seinsfrage) e “O Caminho do Campo” (Der Feldweg) de Martin Heidegger, textos que representam momentos significativos de sua fase tardia. Em “Sobre o Problema do Ser”, originalmente uma contribuição em diálogo com Ernst Jünger sobre o niilismo, Heidegger desloca a discussão para uma investigação da essência e origem do niilismo, conectando-o ao esquecimento do Ser (Seinsvergessenheit) na tradição metafísica ocidental. O filósofo critica a metafísica por ter negligenciado a diferença ontológica fundamental entre o Ser (Sein) e o ente (Seiendes), reduzindo o Ser a uma característica do ente. Este esquecimento culmina na era da técnica moderna, cuja essência (Gestell) representa a forma consumada da metafísica da subjetividade, onde tudo é enquadrado como recurso disponível (Bestand). “O Caminho do Campo”, por sua vez, oferece um contraponto lírico e meditativo, sugerindo uma experiência do Ser que se revela na proximidade e na escuta atenta, apontando para a possibilidade de um pensamento meditativo (besinnliches Denken) como alternativa ao pensamento calculador dominante. A segunda parte da resenha estabelece diálogos com o pensamento contemporâneo, destacando a relevância persistente da questão do Ser e analisando as divergências fundamentais entre Heidegger e Sartre. Enquanto Sartre enfatiza a liberdade radical do sujeito como fundamento da existência, Heidegger prioriza a condição de “ser-lançado” (Geworfenheit) do Dasein e sua abertura à escuta do apelo do Ser. A concepção do Nada também difere: para Sartre, o Nada é introduzido no Ser pela consciência; para Heidegger, o Nada pertence à própria essência do Ser. A resenha também aborda críticas ao pensamento heideggeriano, como sua linguagem obscura, seu envolvimento com o nazismo e a possível insuficiência de sua proposta diante dos desafios éticos e políticos contemporâneos. Não obstante, conclui que a filosofia de Heidegger permanece um interlocutor indispensável para pensar nosso tempo, desafiando a filosofia a confrontar a questão ontológica fundamental que subjaz à nossa compreensão do mundo.

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O presente trabalho apresenta uma resenha crítica do diálogo “Crátilo” de Platão, obra fundamental para a filosofia da linguagem ocidental, e sua retomada contemporânea pelo linguista francês Émile Benveniste. O texto analisa a estrutura argumentativa do diálogo platônico, as posições defendidas pelos personagens e as implicações filosóficas das teses apresentadas sobre a natureza dos nomes e sua relação com a realidade. Em seguida, contextualiza historicamente o tema da linguagem desde a Antiguidade até a contemporaneidade, destacando como as questões levantadas por Platão foram reinterpretadas ao longo da história do pensamento ocidental. Por fim, apresenta a teoria da linguagem de Benveniste como uma retomada e transformação das questões do Crátilo, evidenciando como o linguista francês supera as dicotomias tradicionais entre natureza e convenção, pensamento e linguagem, sujeito e objeto, oferecendo uma perspectiva contemporânea sobre problemas filosóficos milenares.

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A resenha aborda a obra “Introducción a la fenomenología de la religión” de Juan Martín Velasco, que aplica o método fenomenológico ao estudo da religião. Apresenta o contexto histórico e o método (epoché, empatia) para compreender a especificidade do fenômeno religioso. Analisa conceitos centrais como o “Mistério” transcendente, a atitude religiosa humana (reconhecimento, busca de salvação) e as mediações objetivas (símbolos, mitos, ritos). Explora as diferentes configurações históricas do divino (politeísmo, monoteísmo, etc.). Discute a situação da religião na sociedade secularizada, suas transformações e persistências. Avalia as contribuições da obra, como a integração com ciências da religião, e suas limitações, como a perspectiva eurocêntrica. Destaca a relevância da obra para o estudo atual da religião e o diálogo inter-religioso. Conclui reafirmando o valor da abordagem fenomenológica crítica e historicamente consciente.

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No Prefácio, Van der Leeuw reconhece o caráter esboçado de sua exposição, dado o vasto campo da fenomenologia da religião, mas enfatiza seu esforço de oferecer “uma guia útil para a compreensão do material histórico” e valoriza a apresentação direta dos fenômenos, mantendo a “luta em comum” pela correta apreensão dos fenômenos religiosos (p. 9–12). No Epílogo (§ 109–112), desenvolve a fundamentação metodológica: diferencia o dado empírico do “fenômeno” mediante redução fenomenológica (p. 642–644); define religião como relação com o “totalmente outro” e a fenomenologia como acesso reflexivo a essa experiência (p. 645–652); e traça a história da disciplina de De Brosses a Husserl e Scheler (p. 653–658).

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Este artigo investiga em que medida João Calvino foi influenciado pela filosofia estoica durante sua juventude, com foco especial em seu comentário sobre o tratado “De Clementia” de Sêneca, publicado em 1532. Através de uma análise histórico-filosófica, examina-se o contexto intelectual do Renascimento, os princípios fundamentais do estoicismo, e sua recepção no pensamento do jovem Calvino. O estudo demonstra que elementos significativos da filosofia estoica estiveram presentes na formação intelectual de Calvino, especialmente conceitos relacionados à virtude, providência e ordem racional. Embora após sua conversão religiosa Calvino tenha subordinado essas influências à teologia reformada, adaptando-as e, em alguns casos, criticando-as à luz de sua compreensão das Escrituras, é possível identificar continuidades importantes entre seu engajamento inicial com o estoicismo e seu pensamento teológico maduro. Esta pesquisa contribui para uma compreensão mais nuançada das raízes filosóficas do calvinismo e do diálogo entre o pensamento clássico e a teologia cristã no contexto da Reforma.

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Resumo: Este artigo realiza uma análise comparativa do conceito de liberdade na obra “A Liberdade Cristã” (1520) de Martinho Lutero e na filosofia de Baruch de Espinosa, particularmente em sua “Ética”. O objetivo é identificar os pontos de convergência e divergência entre a liberdade como dom da graça divina mediado pela fé (Lutero) e a liberdade como autodeterminação racional conforme a necessidade da natureza (Espinosa). Utilizando metodologia de análise bibliográfica e conceitual, o estudo explora o paradoxo luterano da liberdade interior e servidão exterior, a justificação pela fé e a libertação da lei, contrastando-os com a crítica espinosana ao livre-arbítrio, a liberdade como conhecimento adequado das causas e aumento da potência de agir. Convergências são notadas na ênfase na interioridade da liberdade e na crítica a concepções ilusórias. Contudo, as divergências são mais profundas, abrangendo os fundamentos (teológico vs. filosófico), as concepções de Deus (transcendente vs. imanente), a relação com a lei e a necessidade, o determinismo e o objetivo final (salvação vs. beatitude). Conclui-se que, apesar de compartilharem uma busca pela emancipação da servidão, Lutero e Espinosa oferecem caminhos e destinos radicalmente distintos para a liberdade humana, enriquecendo a compreensão de suas múltiplas dimensões.

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RESENHA
JABBOUR, Elias; GABRIELE, Alberto. China: O Socialismo do Século XXI. São Paulo: Boitempo, 2021.

Cídio Lopes de Almeida
[sem revisão por pares]
Resumo
A proposta do livro oferece uma análise da China como um exemplo singular de socialismo de mercado no século XXI, contrastando sua trajetória com outras experiências socialistas e capitalistas. Os autores exploram a formação econômico-social chinesa, destacando o papel central do Estado e do planejamento compatível com o mercado, além de examinar a evolução de seu setor produtivo e financeiro. Adicionalmente, o texto aborda conceitos marxistas revisitados, a lei do valor sob diferentes modos de produção e a relevância da cooperação e do comportamento humano na ciência econômica, buscando fundamentos teóricos para compreender a complexidade do modelo chinês e suas implicações globais. A obra também compara brevemente a experiência vietnamita, laonense e cambojana ressaltando similaridades e diferenças em suas abordagens de desenvolvimento de orientação socialista. Em conclusão, é saliente que se trata de uma obra para ser estudada, não propriamente lida em uma única vez. Nosso esforço nessas anotações foi de estudo pessoal da obra.

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Este relatório de pesquisa interdisciplinar explora as complexas relações entre evangélicos, movimentos sociais e política na América Latina, em um contexto de significativas mudanças globais. O estudo investiga a fé evangélica como identidade e força militante, analisando sua influência na vida cotidiana das classes populares e ativistas. Através de entrevistas em Argentina, Brasil, Chile e Honduras, o trabalho busca compreender as perspectivas de militantes não religiosos, evangélicos militantes e não militantes sobre temas como direitos humanos, justiça social e o papel da religião na esfera pública. A análise também examina as diversas interpretações da Bíblia e as tensões em relação a gênero e outras questões sociais dentro do universo evangélico. O objetivo geral é repensar o diálogo entre movimentos sociais e o potencial da religião como motor de transformação social na região. As instituições responsáveis pela pesquisa são o Instituto Tricontinental de Pesquisa Social e a Otros Cruces, ambas dedicadas a estimular o debate intelectual a serviço de movimentos populares e à promoção da coexistência democrática através do estudo das interseções entre religião e política.

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A obra de Marilena Chaui, organizada por André Rocha, investiga as raízes históricas e as manifestações contemporâneas do autoritarismo no Brasil. Os ensaios reunidos, escritos entre as décadas de 1970 e 2000, analisam criticamente as ideologias que sustentaram regimes autoritários e que persistem na sociedade brasileira. A autora examina desde o mito do “homem cordial” até a crítica da ideologia da competência e do nacionalismo desenvolvimentista, buscando desvendar as formas sutis pelas quais o autoritarismo se infiltrou na democracia. Ao reunir esses textos, o volume incentiva a reflexão sobre a gênese do autoritarismo e inspira novas formas de combatê-lo.

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