RESENHA
KUSCH, Rodolfo. Obras Completas (Tomo 2). Buenos Aires: Editorial Fundación Ross, 2000.
Cídio Lopes de Almeida
Resumo
O Tomo 2 das Obras completas de Rodolfo Kusch é um estudo crítico do pensamento indígena americano, contrastando-o com a cultura ocidental. Kusch explora a cosmovisão e a filosofia dos povos indígenas, analisando suas concepções de tempo, espaço, divindade e vida, e as relaciona com a arte, a mitologia e a história dessas culturas. O autor critica o eurocentrismo e a imposição de modelos ocidentais sobre a América, argumentando que o pensamento indígena oferece uma perspectiva única e valiosa para entender a realidade do continente.
Resenha do Tomo 2 das Obras Completas de Rodolfo Kusch: Uma Exploração do Pensamento Indígena e Popular na América Latina
Neste Tomo 2 das Obras Completas de Rodolfo Kusch está reunida quatro obras do autor: América Profunda (1962), El Pensamiento Indígena (1970), Uma lógica de la negación (1973) e La negación en el pensamiento popular (1975). Nestas obras, Kusch se dedica a explorar a fundo a especificidade do pensamento indígena e popular na América Latina, buscando romper com a visão eurocêntrica que tradicionalmente dominou a interpretação do continente.
Conceitos-chave presentes nas obras:
- Ser vs. Estar: Kusch argumenta que a cultura ocidental se baseia na experiência do “ser”, caracterizada pela ação, pelo domínio da natureza e pela busca da transcendência por meio do progresso material e intelectual. Em contraste, a cultura indígena se baseia na experiência do “estar”, que enfatiza a aceitação da realidade, a integração com a natureza e a busca da transcendência por meio da comunhão com o cosmos.
- Pensamento causal vs. Pensamento seminal: O pensamento causal, típico do Ocidente, busca entender o mundo por meio de relações de causa e efeito, enquanto o pensamento seminal, presente na cultura indígena, se baseia na ideia de que a realidade é um processo de germinação e desenvolvimento a partir de uma semente primordial.
- A negação como afirmação: Kusch propõe que a negação no pensamento popular não é uma simples recusa, mas uma forma de afirmar uma outra realidade, que se encontra oculta sob a superfície da cultura dominante. Essa negação é, portanto, um ato de resistência e de afirmação da identidade.
- A lógica da afirmação vs. a lógica da negação: A lógica da afirmação, presente no pensamento ocidental, busca construir um sistema coerente de ideias, enquanto a lógica da negação, presente no pensamento popular, se baseia na aceitação das contradições e na busca de uma verdade que se encontra além da lógica formal.
- A dupla vetorialidade do pensar: Kusch argumenta que o pensamento humano se move em duas direções: uma voltada para o mundo exterior, buscando compreendê-lo e dominá-lo, e outra voltada para o mundo interior, buscando a comunhão com o sagrado e a transcendência. A cultura ocidental privilegia o primeiro vetor, enquanto a cultura indígena privilegia o segundo.
América Profunda (1962)
Em América Profunda, Kusch analisa as ideias religiosas pré-colombianas e a sobrevivência do pensamento indígena na cultura latino-americana contemporânea. O autor argumenta que a América Latina se encontra numa encruzilhada entre a cultura ocidental, baseada no “ser”, e a cultura indígena, baseada no “estar”. Essa tensão se manifesta em diversos aspectos da vida social e cultural, gerando um conflito que precisa ser compreendido para que se possa construir uma identidade latino-americana autêntica.
Kusch utiliza o conceito de “viracochaísmo“, derivado da figura do deus criador Viracocha na mitologia andina, para ilustrar a persistência de uma visão de mundo indígena na América Latina. O viracochaísmo se manifesta na importância do mito, da ritualização e da busca da harmonia com a natureza.
El Pensamiento Indígena (1970)
Em El Pensamiento Indígena, Kusch se aprofunda na análise do pensamento indígena, buscando desvendar sua lógica e seus princípios. O autor argumenta que o pensamento indígena não é “primitivo” ou “inferior”, mas sim uma forma diferente de pensar, com sua própria coerência e complexidade.
Kusch destaca a importância do pensamento seminal no mundo indígena, mostrando como ele se manifesta na concepção de tempo, espaço e causalidade. O autor argumenta que o pensamento seminal oferece uma alternativa ao pensamento causal ocidental, abrindo caminho para uma compreensão mais profunda da realidade.
Una lógica de la negación (1973)
Em Una lógica de la negación, Kusch desenvolve a ideia de que a negacão é um elemento fundamental do pensamento popular. Essa negacão não é uma simples recusa, mas sim um ato de afirmação de uma outra realidade, que se encontra negada pela cultura dominante.
Kusch argumenta que a lógica da negacão, presente no pensamento popular, se baseia na aceitação das contradições e na busca de uma verdade que se encontra além da lógica formal. Essa lógica oferece uma alternativa à lógica da afirmação, típica do Ocidente, abrindo caminho para uma compreensão mais profunda da experiência latino-americana.
La negación en el pensamiento popular (1975)
Em La negación en el pensamiento popular, Kusch continua a explorar a importância da negacão no pensamento popular, aprofundando a análise de sua lógica e de suas manifestações. O autor argumenta que a negacão é um ato de resistência à colonização mental, permitindo ao povo latino-americano afirmar sua identidade e sua visão de mundo.
Kusch analisa o pensamento do líder popular argentino Anastasio Quiroga, mostrando como ele se utiliza da negação para construir um discurso que desafia a lógica dominante. O autor argumenta que o pensamento de Quiroga é um exemplo da força e da criatividade do pensamento popular, que se manifesta na capacidade de negar a realidade imposta e de construir uma nova realidade a partir dessa negação.
Conclusão
O Tomo 2 das Obras Completas de Rodolfo Kusch apresenta uma contribuição fundamental para a compreensão do pensamento indígena e popular na América Latina. Ao romper com a visão eurocêntrica, Kusch abre caminho para uma interpretação mais autêntica e profunda da experiência latino-americana, mostrando como a negacão, o pensamento seminal e a dupla vetorialidade do pensar são elementos-chave para a construção de uma identidade latino-americana autêntica.
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