Os muitos temas que circulam a prática maçônica
Os muitos temas que circulam a prática maçônica: o que fazer?
Prof. Me. Cídio Lopes de Almeida, MM
Doutorando em Ciências das Religiões
Faculdade Unida de Vitória
LOPES DE ALMEIDA. Os muitos temas que circulam a prática maçônica: o que fazer? 2a. ed. São Paulo: AMF3. 2022. Disponível em: https://amf3.com.br/o-que-se-faz-na-maconaria
Nota à 2a. edição
Quando releio meus escritos, tenho a tendência de querer apresentar as mesmas ideias de um outro jeito, que no geral julgo serem mais elaboradas. Nesse sentido, o presente ensaio teve como motivação preparar um roteiro de orientação capaz de ajudar aos demais confrades na organização dos seus estudos filosóficos no âmbito da maçonaria. E nesse ponto ele mantém seus objetivos.
Apresentação
O excesso de opção pode resultar que não conseguimos optar por apenas uma. Todos temos experimentado esse fato no uso dos “sites de vídeos” que nos oferecem milhares de filmes. O mesmo acontece quando desejamos estudar algo, sobretudo quando os estudos se dão no âmbito de uma Sociabilidade Ilustrada (Maçonaria), que é marcada pela livre associação e faz parte de uma dimensão da nossa vida que está próxima a ideia de laser. Ou seja, de algo que não está inscrito naquele circuito das coisas obrigadas, como trabalho, estudos formais, etc. Nesse quadro é que apresento nesse trabalho, na categoria de ensaio, algumas ideias para auxiliar nesse percurso.
Introdução
Os temas que se apresentam no cotidiano da prática maçônica, isto é, durante os rituais e convivência com os adeptos são vários e do interesse de todos. Temas que são instigantes, que apontam para trilhas do conhecimento das coisas, enfim: é instigante e exerce um certo fascínio sobre o indivíduo que procura conhecer um pouco mais sobre as coisas, a vida, as forças que compõe a sociedade, as forças que compõe as entranhas das coisas.
Precisamos, porém, pôr um pouco de ordem nessas miríades de possibilidades. Enquanto humanos nos sentimos melhor quando conseguimos dá ordem às coisas, daí ser comum nas várias narrativas míticas a figura do caos, do indeterminado, de onde procede a ordem e a vida humana. Não dá para falar de tudo e todos em uma única vez. Aliás, quando tentamos fazer isso acabamos por não fazer nada. Nas multiplicidades de temas, que chega até nós adeptos de uma Sociabilidade baseada em filosofia, precisamos estabelecer um método de abordagem de tantos conteúdos, do contrário ficaremos perdidos e sem usufruir os benefícios do conhecer.
A tríade SABEDORIA, FORÇA E BELEZA, nossa conhecida, é um indicativo pedagógico contido em nossos manuais que tem múltiplos usos, que vão desde os aspectos éticos ao do conhecimento. Não fica de fora quando o tema é conhecimento do que seja o real. Contudo, apesar de ser nos familiar essas admoestações, fato que se nos debruçarmos atentamente nos Manuais iremos perceber em várias ocasiões, é corrente, entre nós da confraria, a não observação desse princípio organizador. Na minha apreciação, o nosso descuido nesse campo, seja por força exterior a nossa vontade ou mesmo por ser desafiador fazer coincidir nossa intenção com nossa própria vontade, nos leva a ser massa de manobra das mídias de plantão. Sendo que, enquanto sociabilidade filosófica que é a maçonaria, deveríamos sobretudo sermos protagonistas de nós mesmos e de outros que tenha acesso às nossas reflexões e intervenções sociais, lugar em que todo maçom é também convidado a ser ator ou agente de promoção dos nossos mais elevados princípios éticos: o pensamento livre e democrático.
Ainda no preâmbulo de nossa exposição, a internet nos trouxe mais um paradoxo. Para o filósofo Luso-brasileiro Agostinho da Silva o paradoxo não é algo ruim, mas é sinal da própria realidade, que carrega em si os vários lados do que seja o real. Ou seja, uma ideia filosófica só pode ser ‘boa’ quando consegue ligar com contrários. Nesse caso a internet carrega essa multiplicidade, de um lado através dela podemos trocar conhecimentos filosóficos. Porém, podemos também cultivar achismos e opiniões (que em grego é doxa).
1. Como dedicar ao conhecimento que nos importa?
Desse quadro de opiniões temos que ter em mente que o conhecimento que rege nossas vidas é algo distinto de meras opiniões, curiosidades. Conhecer é mais complexo, conhecer, apesar das tecnologias (caneta, impressora, computador), ainda é um processo muito parecido desde uns 2500 anos. Aliás, o modo como conhecemos nem sempre vai para frente quando inventamos um artefato que utiliza tecnologia. Essa fantasia que se propaga entre nós de que o computador e a informática acabam com nossos problemas, trata-se de mais uma das opiniões (doxa) que acabam por olhar para apenas uma faceta do fenômeno. E vendo apenas um lado, acaba por formar juízos que não consegue pesar as múltiplas faces da coisa.
Dois tópicos estão dentro do ato de conhecer. Primeiro, buscamos conhecer para ter um certo poder sobre o conhecido. Segundo, o real que procuramos conhecer está sempre em movimento, portanto sempre escapa a apreensão. Essa ideia é expressa por Heráclito de Éfeso lá na Grécia Antiga. Primeiro que tudo está em movimento, “tudo flui”. Depois, para ele a “natureza ama ocultar-se” (physis filei criptetai) (HADOT, Pierre. O véu de Ísis: ensaio sobre a história da ideia de natureza. São Paulo: Ed. Loyola, 2006). Notamos, portanto, um duplo desafio na senda do conhecer, que exige de nós paciência e uma luta contra a cultura das coisas rápidas. Aqui reside um dos principais riscos, temos pressa, a coisa não se mostra, o lugar perigoso é improvisar soluções sem conexões com a realidade. E para esse expediente temos o surgimento do pseudoconhecimento. Tem até uma aparência de conhecimento, mas tem lacunas preenchidas por expedientes que não são conhecimentos filosóficos ou científicos e não conseguem serem de fato de algum proveito para quem se dedica a ele.
Não se trata de ser um chato que desestimula os confrades na senda do conhecimento, mas apenas alguém, como diz um ditado popular, a dizer que o “buraco é mais embaixo”. Esse fato, de que o conhecer e atuação na vida não são fáceis, por outro lado, pode nos comunicar algo alegre. Imaginemos se todos nós, num estalar de dedos, conseguíssemos agir no real? Se alguém conseguisse parar o tempo, para resolver um problema no Banco? É claro que apesar de haver forças determinantes do nosso existir, ainda resta espaço para a liberdade do agir humano, que é uma dimensão fundamental para a vida humana. Ademais, se somos ‘livres pensadores’, o tema da liberdade nos toca ainda de maneira mais especial. Parece que a liberdade é saber conhecer bem o jogo do real, saber onde, quando, o momento certo para se inserir em um dado movimento e dele extrair o que lhe for de interesse e próprio para a vida. O que nos exige um refinamento da atenção, da paciência e de saber lidar consigo mesmo. Nesse quadro, o filósofo Espinosa, apesar de suas obras não serem de fáceis leituras para os não-filósofos, tem um belo repertório para pensarmos a liberdade humana, apesar de sermos afetados por forças que não controlamos. Dai seu tema por excelência “afecto e liberdadade”.
2. Paciência, atenção, persistência, o caminho para o conhecer
Já estamos caminhando em nossa proposta. O conhecer é algo que exige paciência, atenção e persistência e pode ser utilizado para nosso existir ser mais humano. Temos que apenas tomar cuidado para não confundir qualquer coisa com conhecimento. O filósofo Platão já propunha que “espisteme” seria o conhecer que vale a pena dedicar-se. Superando o conhecimento baseado em “doxa”, que seria mera opinião, desvinculada do que é mesmo o real. Seria um algo “da boca para fora” como dizemos em ditado popular.
Esse caminho ainda não se esgotou, para esse momento basta dizer que ele é importante e que podemos tratá-lo em outra época. Nosso tema é exatamente os muitos temas que circulam na nossa convivência maçônica e que para melhor lidar com eles temos que saber a diferença do conhecer (episteme) e da opinião (doxa).
Uma vez claro que o proveitoso é o conhecer e não a opinião teremos percebido que não dá para fazer maçonaria de opiniões e reproduções de bordões. Essa prática, por exemplo, leva a Ordem a posições que pode prejudicar a própria convivência fraternal. Não saber debater certos temas da política tem sido um bom exemplo do quanto é perigoso mexer com assuntos sem um bom embasamento filosófico ou científico sobre o tema. E sem esse conhecimento, baseado na opinião, podemos produzir celeumas que só fazem dividir as pessoas no geral e em particular a própria ideia de confraria.
O tema mais arriscado e incendiário para a vida fraternal no interior da maçonaria é o manusear sem conhecimento adequado os temas da política. Sem a compreensão adequado do que seja a Filosofia, que é o substrato a dar liga na vida fraternal, discussões políticas não serão benéficas para o convívio fraternal maçônico que é marcada pelo respeito à diversidade e à democracia. O diverso não pode ser visto como algo insuportável, se já não sei equacionar o diverso na minha convivência fraternal, e já o considero uma ameaça, precisamos nos perguntar o que está errado na forma como construo minhas cadeias de pensamentos e valoração das coisas.
Aliás, a diferença de ser formador de ideias e agente de promoção de certos valores éticos na vida social, que no caso da Maçonaria derivam do bojo cultural do Iluminismo, para ser consumidor sem crítica das modas de valores apresentados pelos meios comunicativos no geral, está justamente em conhecer e dominar o pensamento filosófico ou das ciências sociais e humanas. Ou conhecemos esses modos de produção de conhecimento ou nos perdemos nos debates. E considerando a Maçonaria uma fraternidade baseada em Filosofia, não podemos nos esquivar de saber filosofar no sentido técnico mesmo do termo. Ao maçom cabe dominar esse ponto da nossa tríade: Fraternal, Filosófica e Filantrópica. O filosófico é o que amarra o edifício da nossa fraternidade.
Pensar, portanto, deve ser o culto maçônico, reproduzir chavões não é pensar. Os temas, os vários temas, devem ser jogados nesse estomago, donde serão ruminados, na paciência de uma vaca, ideia de pensar lentamente como característica do pensar filosófico segundo Nietzsche. E aí veremos o descortinar de truques que estão escondidos nos chavões da mídia ou mesmo em falas no interior da confraria. Essa pressa, muito comum nos grandes centros urbanos e que somos jogados nela por necessidades, acaba por criar situações nas quais um poder de fora da própria pessoa incida sobre a vida dela. Aqui vale indicar a ideia de microfísica do poder do filósofo Foucault, a pressa faz com que abaixemos certas defesas do pensamentos e com isso nos deixamos levar por intenções outras que não as nossas mesmas.
3. Debaixo dos nossos olhos: os manuais
Aptos a praticar a pacientes, a atenção e a persistência é que devemos pensar os temas e assuntos que se apresentam na vida cotidiana da Ordem. (a) Primeiro, é preciso estudar os manuais. (b) Segundo, é preciso saber usar os manuais na formação do aprendiz, companheiro e mestre. (c) Terceiro, é preciso saber os temas básicos que fundamentam a maçonaria.
Aqui apresento uma primeira resposta. Para abordar a multiplicidade de assuntos que se apresentam para um maçom em nossos dias, eu proponho organizar tudo partindo dos três graus de formação maçônica. Procurar sempre organizar e retomar os textos fundamentos expressos nos manuais. Não se trata, evidentemente, de um cânon, de uma regra, são apenas ideias para dá ordem aos milhares de temas que podem deixar desanimado o estudante maçom.
3.1. Os Manuais
Acerca do primeiro (a), temos que estudar com paciência todo o manual. Saber, aliás, que existem outros ritos. Saber a diferença entre eles, ao menos a básica. Aqui há a seguinte questão: como aprendiz e companheiro estuda-se a finco o ritual que a sua Loja pratica, quando mestre você poderá comparar com outra, uma vez que você já tem familiaridade com o seu rito de origem.
No âmbito do exame dos manuais (a) o ato de ler exige alguns cuidados. Como estamos falando de um método pedagógico simbólico, o ato de ler o texto exige ser mais lento. Procura-se pelo sentido que um dado símbolo deve ser compreendido em termos de prosa e é um ato de tradução mesmo. Esse ato de ler só é possível pela tradição oral dessa comunidade, no caso a Ordem fraternal que fazemos parte. Aqui, as várias abreviações que utilizamos nos manuais é apenas uma técnica pedagógica para forçar o aprendiz a pensar que um texto tem um sentido para além do que está diante dos olhos. O sentido que se mostra para além das letras é o que de resto marca a natureza de qualquer escrita. O ato de escrever é o de trazer algo ausente para o presente do texto. Pedra é uma palavra que faz menção a algo que não está aqui na grafia “Pedra”.
Ainda no ato da leitura dos manuais, outros ausentes do texto são importantes. Maçonaria é baseada em filosofia, mesmo quando traz textos da tradição cristã para seu interior, será sob uma chave alegórica para se pensar filosofia nessa interface dos desafios éticos sobretudo. Ademais, vários outros temas que talvez não consigamos pensar que eles façam parte da longa tradição filosófica do ocidente, acabam que sob um exame técnico veremos que se tratam de partes da filosofia. O problema é o que sabemos do que seja a filosofia, que em resumo são 2600 anos de história do pensamento ocidental. Aliás, é importante aqui ressaltar o recurso da alegoria utilizado para ler símbolos. Tema que abordarei em outros textos, pois estamos a falar de um campo vasto da pesquisa filosófica que é a semiótica e filosofia da linguagem.
Avançando e já indicando algumas pistas. Para notar essa relação é só tomarmos os textos de filosofia da Grécia Clássica, no século V a.C, e veremos notória relação órfica, pitagórica, platônica com o conteúdo de nosso manual de aprendiz. Ainda mais notória é a relação das Escolas Filosóficas helenistas dos Estoicos. Dessas tradições temos vários elementos que no que se refere a compreensão de mundo, moral, alma e por aí vai. A própria iniciação faz menção direta a essas tradições. No manual de companheiro, temos vários esquemas dos antigos e medievais como estudar as sete artes liberais: Lógica, retórica, gramática (triviun) aritmética, geometria, música e astronomia. Só aqui já temos muito que fazer. Certamente isso seria estudado em 3 anos de estudos sistemáticos. A título de material bibliográfico dois nomes fornece-nos um bom começo. Jean-Pierre Vernant e Pierre Hadot.
Nossa posição no que toca a esses conhecimentos também precisa ser pensada. Temos que ter ciência da importância dessas “matérias” para os dias de hoje. Filosofia na cultura brasileira tem um lugar bem diferente da cultura dos argentinos, franceses e alemães. No interior da maçonaria não podemos nutrir uma secreta recusa da filosofia, que sempre aparece nas brincadeiras. Aqui precisamos superar alguns preconceitos com o pensamento filosófico. Não se trata apenas de um professor de filosofia defendendo seu labor. A coisa vai, certamente, além disso. Apesar das coisas novas, a ciência dos antigos ainda é importante e subjaz as entranhas das pirotecnias modernas. Sem os conhecimentos da matemática que seria dos processadores? Sem um filosofo moderno, Leibniz, século VXIII, não seria possível o computador. A questão não é substituir o saber atual, mas apenas reconhecer que ele é a base do presente e procura, com o seu reconhecimento, potencializar o presente. Ademais, filosofia não é ciência humanas, é um campo de conhecimento que estabelece e funda os demais saberes, tais como a matem ética, a física moderna.
3.2. Não se é maçom, se exercita ser maçom
Do primeiro tópico temos muito mais coisas, nesse momento apenas mostramos as possibilidades que existem ao lermos atentamente os manuais. Agora passemos ao segundo, que é a formação dos Confrades, aprendizes, companheiros e mestres. Precisamos, a cada dia, tomar consciência do quanto é importante esse processo. Nossa ignorância, descuido, falta de sinceridade espiritual, nesse assunto pode fazer com que profanemos algo sagrado que é o outro, que de boa fé nos considera como irmãos fraternais.
A sinceridade de espírito que alguém se coloca para ser iniciado não pode ser tratado de modo jocoso, sem preparo, feito nas “coxas”. Profanar nesse caso, grosso modo, é algo que se dá do seguinte modo. Alguém toma posse de alguns manuais, palavras, gestos e pensa que com isso já se esgotou toda possibilidade de um dado assunto. No caso da maçonaria isso ocorre quanto pensamos que já sabemos tudo sobre os mistérios da Ordem. Esse indivíduo, que também me incluo, se estaciona no meio do caminho, fica estanque, não deixa passar mais ninguém. Depois de algum tempo ele começa a não ver de modo exato esses conhecimentos e em função desse estado, acaba por desqualifica-los. De modo ativo ou passivo. Sendo que o ativo costuma ser aqueles que utilizam a internet para difamar mesmo a Ordem e de modo passivo aquele que estando na Ordem, nada faz para promover os ideais éticos que fundamentam o nosso estilo de vida fraternal.
Se tomarmos a etimologia da palavra profano notamos que ela se compõe de duas palavras (pro = diante de e fanus= templo/sagrado) e podemos estender seu sentido para um dado tipo de conhecimento e para com as pessoas. E no quadro particular de uma Sociabilidade baseada em Filosofia, que é o caso da Maçonaria, temos que o conhecimento de uma vida baseada em dados princípios éticos são importantes ao ponto de serem semelhantes à sagrado, pois ocupa um lugar fundamental e estruturante da realidade. Sendo assim, o profanar é quando negligencio esses ideais, ao ocupar o lugar de promotor desse saber, enquanto maçom, acabo por não fazer. E de modo ativo ou passivo atual para dizer que nada existe. Operando um esvaziamento desse mistério. Diz para todos que não há um além, mas um mero agora. O profano é movido por uma energia de esvaziamento, simplificação, pasteurização das coisas. A decadência do profano é algo que começa no âmbito das palavras e ideias e logo passa para a esfera da moral, para a ação. No ponto agudo da profanação esse Confrade faz da Loja uma local para entregar seu cartão, contar suas epopeias, enfim, cultivar seu ego. Podemos, então, notar que o profano pode estar na Ordem ou não. Quantas pessoas são profanas, profanam a vida, coisa mais sagrada que podemos ter.
A formação dos Confrades de Loja Maçônica deve ser feita de modo planejado. Não dá para pedir trabalho alheatório, e receber qualquer coisa “baixada da Internet”. O vigilante que detém o Nível na mão deve ficar atento, o importante na formação do aprendiz é que ele perceba que o seu condutor tem firmeza e certeza na condução de sua formação. Nessa fase a apreensão dos elementos que compõe a Loja deve ser feita de modo criativo, a ritualística deve ser apreendida de modo correto, pois são estratégias pedagógicas baseadas em linguagem simbólica. Característica educativa que não deve ser desconsiderada, pois esse é o ponto mais particular e a força do que seja a Maçonaria. Aliás, ao lado do conteúdo do manual, o ritual nessa fase de formação do maçom constitui o principal processo de aprendizado de uma Ordem Iniciático. Observem bem que faço distinção de manual para ritual. Nosso truque pedagógico está exatamente nisso: ritual. Não somos uma “escola” que forma o intelecto fazendo uso apenas do “olhos” e “ouvidos” para ensinar algo. Tema que foi objeto das análises do filósofo Nietzsche lá pelos anos de 1870 e que foi objeto do nosso trabalho “Estética e Educação em Nietzsche” (ISBN, 9788565610018). Utilizamos todo o corpo como fonte de aprendizado. Esse “utilizar” o corpo para aprender algo é diferente não só no processo de aprender, mas, também, na forma que o iniciado se comporta na vida. Pode-se dizer que essa formação é muito mais eficiente do qualquer outro método. Podemos notar que esse modelo pedagógico e de escola não é restrito à maçonaria. Os seminários de formação da Igreja Católica ou escolas Sufis na tradição Islâmica também fazem amplo uso dessa metodologia. São exemplos de escolas que fazem uso do corpo por inteiro com instrumento de aprendizado. Sem falar da cultura de formação militar no geral.
Ainda no segundo tópico, a formação não pode ser algo ligeiro. Deve constituir um assunto bem planejado e estendido no tempo para evitar exatamente as opiniões e os comentários superficiais acerca de qualquer tema, dentre os vários que saltam no cotidiano da Loja. Se do aprendiz temos o que acima foi dito, imaginem o papel do Confrade que detém o prumo na mão e é responsável por promover a formação dos companheiros maçons. Nessa etapa de formação, considera que o Confrade companheiro está desperto para uma série de conhecimentos. Agora encontra-se mais desprendido das condições elementares acerca do que se estuda na Maçonaria. Exige-se do Confrade que cuida dessa etapa de formação que ele própria saiba planejar e administrar conhecimentos. O que é um desafio para quem se coloca numa confraria baseada em filosofia. Mesmo não se tratando de uma associação profissional de professores de filosofia, espera-se desse mestre maçom responsável pela formação dos companheiros a capacidade de ter didática além de outros conhecimentos pedagógicos específicos desse modelo educativo que é a maçonaria.
Na fase formação de companheiro está posto o desafio de fazer avançar o confrade para apreender e deter métodos de conhecimentos que de fato sejam filosóficos. Que é preciso dominar as técnicas de leituras de textos simbólicos, que se saiba fazer alegorias e verter tudo isso para um modelo filosófico de produzir conhecimento e só assim afastará uma certa sensação de inutilidade que os saberes simbólicos podem apresentar. Aliás, justamente quando não se consegue transpor símbolos para a linguagem corrente, perde-se a conexão com a vida cotidiana dos confrades. Fenômeno que pode estar na base da sensação amplamente compartilhada de falta de sentido que as atividades em Loja possam estarem submetias em nossos dias. Ou até mesmo, aqui já a título de uma hipótese a ser verificada noutro momento, a própria ausência de maçons mais jovens na Confraria.
Nessa ideia de que não se é maçom, mas se prática maçonaria, ideia que encontra ressonância na obra Ética a Nicômaco do filósofo Aristóteles, temos o mestre maçom como ponto máximo do ‘praticar maçonaria’. É do meu pensamento, justificado noutros trabalhos, que a maçonaria apresenta um projeto pedagógico completo nos três graus da chamada maçonaria simbólica. Considerando a maçonaria como uma Sociabilidade baseada em Filosofia de Vida, no que implica várias estratégias pedagógicas para tornar factível vivenciar princípios éticos na vida corrente dos seus adeptos, é possível notar nos três manuais, não importando se Rito de York ou Escocês, que se cumpre os desafios de tal projeto no âmbito dos referidos graus simbólicos. Ponto com o qual temos concordância com o material pedagógico do Rito Schröeder, da lavra de Friedrich Ulrich Ludwig Schröder (1744 – 1816), que é fruto do contexto do Romantismo Alemão dos séculos XVIII e XIX.
E é nesse quadro que abordo o papel do mestre maçom. O Mestre é aquele que estuda mais, pois estuda o manual de aprendiz e o de companheiro por várias vezes e é dessa lide que irá brotar a sabedoria. Os temas próprios dos seus manuais pedagógicos de estudos procura indicar justamente esse estágio de conhecimento. Será lidando com os aspectos mais corpóreos da formação do aprendiz ou dos aspectos mais intelectuais da gnose do companheiro, que irá brotar a sabedoria que o faz de fato Mestre. A imagem de uma espiral apresenta bem esse processo de conhecimento. Aparentemente o Mestre visita o mesmo manual de aprendiz e companheiro, mas só na aparência, pois ele estará sempre ampliando mais sua compreensão. A linguagem simbólica é perfeita para o exercício de retomar algo e ir mais além. E é isso que pode ser chamado de compreensão e sabedoria, que é justamente quando avançamos na retenção e articulada de informações que efetivamente estão próximas ao eterno mover-se do real. Tipo de conhecimento que o filósofo Hegel irá indicar como sendo de fato “conhecimento” e não mera “teoria”, enquanto um recorte do fluxo do real, para ser analisado em laboratório.
3.3. Os fundamentos: a comunidade maçônica
Vamos, agora, passar ao terceiro tópico. Mais uma vez, porém, vale lembrar que não esgotamos o segundo bloco de nossas reflexões. Apenas abrimos uma “picada” na mata e apontamos que nessa direção há um vale de possibilidades.
O terceiro veio temático proposto é a dos temas que são básicos na compreensão do que é a Maçonaria. Com isso penso que é preciso situar a Maçonaria numa chave de análise técnica, sob a ótica da filosofia, das Ciências Humanas e Sociais. Para além das narrativas habituais dos adeptos, que imerso nas dinâmicas diárias da vida, onde está efetivamente o desafio de ser maçom, acabam por irrefletidamente recorrer às expressões “filantrópica, filosófica e fraternal” ou, não muito criativo, o famoso bordão “é segrego não posso falar”. Essa modulação narrativa não tem nos ajudado a superar os desafios concretos que é o viver segundo essa filosofia que cultivamos.
Para tratar de modo sistemático e profissional a Maçonaria é preciso de um conjunto de práticas que devam ir além da sessão semanal da Loja. Deve-se pensar o entorno da Loja ou considerar a ideia de “comunidade maçônica”. Antes de enumerar quais seriam os temas básicos para compreender o que é Maçonaria, é preciso ter em mente que a plenitude da seção só pode ser efetivada se houver esse “entorno” da Loja.
Enquanto espaço comunitário, deve-se conceber e executar todo um programa cultural. Envolvendo a comunidade maçônica que é composta pelos familiares de cada membro dessa Loja/comunidade. O que em certa medida já existem modelagens para acontecer através as ordens para-maçônicas, que cobre atividades com as esposas, filhos e até parentes mais próximos. Atuando nos dois tópicos de fundamentação do que seja praticar maçonaria que são os aspectos filosóficos e fraternal.
Na esfera filantrópica, a ação social não deverá ser preterida, mesmo quando por limitações, pode-se associar à outros projetos da comunidade mais imediata à Loja/comunidade maçônica. Enfim, o Templo Maçônico, no qual várias Lojas/comunidades podem se congregarem, deve funcionar como um catalisador da comunidade maçônica nos seus três fundamentos: Filosófica, Fraternal e Filantrópica. Será desse bojo efervescente de vida humana que brotará uma reflexão consolidada do que seja o praticar maçonaria. E será a efetivação de uma sociabilidade baseada em Filosofia de Vida.
3.4. Os fundamentos: Iluminismo e o liberalismo
Posto as condições de um pensar agir maçônico adequado ao que habitualmente enfeixamos em ser definida como sendo Filosófica, Fraternal e Filantrópica, condição fundamental que condiciona esse viver filosófico numa comunidade com seus desafios concretos, passou agora para a esfera dos conceitos que de certo modo atua na orientação da práxis comunitária.
Não se compreende de modo adequado o que seja o fenômeno social da Sociabilidade Ilustrada se não retomarmos o Iluminismo e o Liberalismo. Outra referência importante é o Século XIX, que coroa ideias modernas, em especial uma ruptura estrutural com a tradição religiosa cristã. Nesse breve ensaio, não devo me dedicar à totalidade do fenômeno, pois dado sua vastidão, mudaria nossa ideia inicial de uma orientação em organizar uma vida de estudos para quem deseja praticar maçonaria e que já esteja ligado a uma comunidade/loja maçônica.
Dentro do campo geral do Iluminismo, do qual promoveu o cultivo de uma racionalidade para com a vida em sua totalidade de sentido, recorto para o liberalismo que é uma dada configuração do pensamento iluminista aplicado ao campo da vida social/ética e política. A maçonaria é filha do liberalismo filosófico.
De modo rápido, e que nos serve para o momento, uma das principais características, entre outras, do liberal é o papel do indivíduo. Aliás, a própria ideia de indivíduo em nossos dias tem duas etapas. Primeiro no âmbito da filosofia de Descartes, que recolhe em suas ideias filosóficas o espírito do seu tempo, de depois com toda a modulação que o liberalismo irá codificar para o termo sujeito.
O liberal, portanto, reserva papel fundamental para o indivíduo que age sobre a natureza e tudo o mais que o cerca. Grosso modo, a máxima do liberal é que o protagonismo do sujeito é que irá criar as regras éticas para uma vida comunitária. Não cabe ao Estado, a Escola, a Igreja, retirar o indivíduo do centro. Agora todas essas instituições deverão sempre ser conformadas a atender esse sujeito.
Uma outra forma de fazer aqui um esboço do que seja o liberal é nos remeter a imagem do profissional liberal, tais como o médico e o advogado. Nesse contexto podemos notar que se há uma proposta para o coletivo e para a esfera do público, as mesmas precisam estar em função do protagonismo do indivíduo. Essa marca será facilmente notada no que seja o Estado Moderno, que é nossa realidade de organização política em vigor em nossos dias. Esse modelo de governo e vida tem como seu interlocutor o período medieval, o governo das Monarquias, sejam elas absolutistas ou outras modelagens monárquicas, como a parlamentarista dos Países Baixos, da Inglaterra ou Reino Unido, ou, com o filósofo Agostinho da Silva ressalta, a Monarquia Cooperativa de Portugal. Por ser o período medieval esses modelos de governos e sociedade interlocutores do liberalismo filosófico é que se justifica compreendermos esse outro.
O embate de formação de uma dada linha de ideias sempre nasce a partir do diálogo com outra. Até certo ponto esse outro é absorvido, mas será superado. Compreende-se melhor as novidades justamente compreendendo o que foi negado. Daí é que vamos compreender como a ideia de Ordem, no estilo das Ordens Religiosas, pode ter sido o elemento que permanece do medieval em algo moderno. Sem adentrar aqui à constante menção às “Associações de Pedreiros” lá do medieval como a grande modeladora da pedagogia maçônica em ensinar conceitos da filosofia de vida inspirada no liberalismo e no iluminismo.
Não seria contraditório notar que há elementos medievais e liberais com partes constitutivas da maçonaria. Sua novidade está na substituição do fenômeno religioso habitual, como aglutinador fundante de cultura e comunidade, pela filosofia, pois segundo a ideia do que seria o Esclarecimento (Kant), a vida humana ganharia o sentido total de si pelo uso da razão. Deixando de lado o habitual lugar das religiões cristãs, com provedoras desse âmbito significativo para o viver.
A maçonaria como fenômeno social fruto do liberalismo, fundamenta-se como instituição capaz de cultivar um tipo de conhecimento filosófico que seja capaz de atuar nos fundamentos de uma nova cultura humana, que utiliza para tal a razão humana e não mais as instituições religiosas cristãs, as quais procura superar e retirar o lugar de poder habitual.
4. Anotações finais
A proposta deste ensaio foi lançar algumas reflexões sobre o que se faz na maçonaria. De certo modo transitamos entre o que desejamos que seja feito na maçonaria e como é desafiante no campo ético aproximar “o dever ser” com aquilo que “é de fato”. Nossa partilha cumpriu partilhar alguns processos pedagógicos, na forma de ideias, que na nossa apreciação são necessários para que a maçonaria consiga aproximar esse ideal de vida ética à vida concreta dos seus adeptos.
Notamos que antes de chegar à cereja do bolo, que é o liberalismo/iluminismo, fez-se necessário algumas digressões. Um roteiro preparatório, que de resto é a função da Ordem na medida em que se trata de uma Escola de Filosofia de Vida. O que se faz na maçonaria é justamente essa discussão dos desafios que é viver segundo uma filosofia. Ademais, pensar estratégias atualizadas a cada momento histórico é um processo natural de uma filosofia que se dispõe ir além da mera discussão epistemológica do saber, mas o vivenciar um dado saber. Fundamento que é muito estável no interior do que seja a maçonaria: o ideal de um sujeito que se vinca na existência justamente pelo uso da liberdade em seu existir. O resto serão os desafios de conformar as instituições para que essa liberdade possas se expressar. Desafio nunca posto e pronto. Pelo que se justifica que cada um de nós somos sempre convidados a repensar essas dinâmicas que garantam a expressão total do ser do homem como fundamentalmente ser para a liberdade.
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