publicado originalmente aqui
QUI, 05/03/2015 – 15:34
Nos primórdios da República Romana, segundo Tito Lívio (AB URBE CONDITA LIBRI) um rico cidadão chamado Spurio Mélio (http://it.wikipedia.org/wiki/Spurio_Melio) resolveu tomar para si todo o poder e começou a estocar armas em sua casa. Seus preparativos para dar um golpe de estado foram descobertos e ele acabou caindo em desgraça. Seu nome, porém, foi imortalizado.
Spurio parece ter dado origem ao adjetivo espúrio , que significa aquilo “1- Que é falso, adulterado ou não autentico. 2- Que é ilegítimo ou ilegal. ” (DICIONÁRIO DIDÁTICO, Ensino fundamental, SM editora, 2009). O Dicionário Latino Português de Francisco Torrinha, Gráficos Reunidos Ltda., Porto, Portugal, faz duas referências ao vocábulo latino: Spurius é um substantivo (prenome e nome de homem) e spurius é um adjetivo (espúrio, bastardo). O latinista português preferiu não informa se o substantivo originou o adjetivo ou se o que ocorreu foi o inverso.
Qualquer que seja a origem do adjetivo é possível afirmar que o episódio narrado por Tito Lívio evoca uma lição importante. Toda República deve se esforçar para evitar que alguém reúna em torno de si homens e armas que lhe permitam almejar o poder absoluto. A suspeita de que Julio César estava pretendendo fazer o que Spurio Mélio não conseguiu foi suficiente para que ele fosse assassinado nas escadarias do Senado. Entre seus algozes, estava Brutos. O filho adotivo de César era descendente do homem que livrou Roma da tirania dos reis.
O Brasil, última Flor do Lácio, nunca admitiu a existência de dois exércitos em seu território. Ao longo de nossa História, qualquer pessoa ou grupo de pessoas que tenha ousado desafiar o braço armado do Estado acabou conseguindo apenas uma coisa: justificar o uso de extrema violência estatal. Em Canudos os prisioneiros foram degolados. Os cangaceiros de Lampião também foram aniquilados e degolados.
Há alguns anos a Universal exigiu que seus pastores fossem admitidos nas Forças Armadas. Após alguma resistência, Edir Macedo conseguiu o que desejavahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Capel%C3%A3o. Esta semana veio a público que a igreja dele está constituindo um verdadeiro exércitohttp://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/03/um-exercito-evangelico-em-formacao.html . Os soldados da Universal, pelo que pude entender, são submetidos à rigorosa disciplina paramilitar. As fotos revelam que eles não usam armas.
A definição de arma, todavia, ainda não foi objeto de discussão. Braços e pernas de jovens vigorosos e adestrados também são armas eficazes, especialmente quando empregados de maneira coordenada por um pelotão de homens submetidos a um comando centralizado. ATropa do Braço de Alckmin já provou que é capaz de cercar e neutralizar milhares de manifestantes. Quando e onde Edir Macedo pretende usar sua própria tropa do braço? Esta pergunta, porém, deve ser precedida de outra ainda mais espinhosa. Pode um cidadão, bispo ou não, constituir tropa do braço para impor sua vontade/ideologia/crença/religião a outros grupos de pessoas? A resposta é não.
O uso da violência é crime. As únicas exceções são: legítima defesa (a Legislação Penal brasileira não autoriza a legítima defesa coletiva apesar dos arautos evangélicos defenderem esta tese); estrito cumprimento do dever legal (os servidores públicos militares podem, em determinadas situações, empregar o uso da força individual ou coletivamente). Os soldados da Universal não são servidores públicos militares, portanto, não podem agir nas ruas.
Na verdade a tropa do braço ou exército paramilitar evangélico não pode agir nem mesmo dentro dos templos da própria Universal, pois o exercício da profissão de Vigilante é regulamentada pela Lei 7.102/1983, cujo art. 20 prescreve que:
“Art. 20. Cabe ao Ministério da Justiça, por intermédio do seu órgão competente ou mediante convênio com as Secretarias de Segurança Pública dos Estados e Distrito Federal:(Redação dada pela Lei 9.017, de 1995)
I – conceder autorização para o funcionamento:
a) das empresas especializadas em serviços de vigilância;
b) das empresas especializadas em transporte de valores; e
c) dos cursos de formação de vigilantes;
II – fiscalizar as empresas e os cursos mencionados dos no inciso anterior;
Ill – aplicar às empresas e aos cursos a que se refere o inciso I deste artigo as penalidades previstas no art. 23 desta Lei;
IV – aprovar uniforme;
V – fixar o currículo dos cursos de formação de vigilantes;
VI – fixar o número de vigilantes das empresas especializadas em cada unidade da Federação;
VII – fixar a natureza e a quantidade de armas de propriedade das empresas especializadas e dos estabelecimentos financeiros;
VIII – autorizar a aquisição e a posse de armas e munições; e
X – rever anualmente a autorização de funcionamento das empresas elencadas no inciso I deste artigo. (Incluído pela Lei nº 8.863, de 1994)
Parágrafo único. As competências previstas nos incisos I e V deste artigo não serão objeto de convênio. (Redação dada pela Lei 9.017, de 1995)”
Como advogado, sou obrigado a dizer que a própria existência de uma tropa do braço ouexército paramilitar evangélico é algo que pode ser encarado como crime. Afinal, praticar violências é crime e constituir um grupo de pessoas para fazer isto por razões religiosas dentro ou fora dos templos pode, em tese, ser tratado como formação de quadrilha ou bando (crime tipificado no art. 288, do Código Penal).