O desafio da Agricultura em Juquitiba

O desafio da Agricultura em Juquitiba

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Juquitiba, terra das águas, tem um pequeno grupo, comparado a população municipal, que se dedica à atividade agrícola e agropecuária. Quando procuramos sobre a cidade na internet não será raro encontrarmos referências que a descreva como um santuário de preservação do verde, local de preservação de mananciais, etc. Ademais, a zona rural do município também é lugar de muitos sítios de “lazer”, levando-nos à afirmar, assim de modo informal, que  essa modalidade de ocupação da zona rural é o maior em números. 

A agricultura na zona rural de Juquitiba, portanto, é minoritária, e suas terras rurais são ora “preservadas”, ora ocupadas na forma de lazer. Se compararmos com outras municipalidades podemos dizer sem medo de errar que a ruralidade do município é fortemente marcada por uma percepção urbana da vida. São pessoas com suas vidas profissionais calcadas na cidade que habitam esporadicamente, como  “sitiante de lazer”, ou mesmo “urbanos” que decidem viver em “meio ao verde”. O que os leva a afirmar como hipótese a ideia de que no meio rural do município de Juquitiba temos desafios adicionais para quem decide ser “agricultor”. 

Por um lado, o desafio de ser agricultor encerra uma dificuldade de ordem de conhecimento. Como diz Ernest Gothe, o “insumo mais relevante para a terra é o conhecimento”. O saber é escasso, desde os modelos escolares, pois são escolas “ubanocentristas” que a cada dia opera a extirpação do mundo campestre da vidas dos alunos, passando pela qualidade da escola pública que mesmo sendo “urbanocentrista” também não logra êxito em inserir o aluno na vida da cidade, apenas o deslocada do campo. 

Se o primeiro problema de Juquitiba com o meio rural não lhe é exclusivo, pois a falta de uma escola da terra, uma pedagogia da terra é um fenômeno mais amplo, atinge, em primeiro lugar, todo o Brasil. Problema que se ampliado, em segundo momento, pode ser um problema que se situa no quadro da Revolução Industrial, isto é, o fenômeno da industrialização e a produção do êxodo rural como necessário para esse novo modelo de produção. Nesse sentido não haveria novidade na vida rural juquitibense, ela compartilha com o resto do Brasil essa falta de saberes sobre a terra, não compartilha a criatividade que podemos ler sobre os saberes ligados às tecnologias de informação, por exemplo. O segundo problema, mais restrito, seria que o meio rural em questão é ainda habitado por pessoas com visão urbana do meio rural. 

Se nas pequenas cidades de Minas Gerais, lá nos anos de 1980, era a vida rural que marcava a cidade, (Jessé de Souza, em A Elite do Atraso, diz que os coronéis paulistas marcaram mesmo o jeito do Brasil ser país; ou seja, a visão do grande proprietário de terras, marca o que Estado hoje), aqui em Juquitiba podemos dizer que é a visão da “gente da cidade” que marca as coisas por aqui. O tema é complexo, pois grande parte dessa gente teve algum tipo de ligação com a vida rural, sobretudo que devemos considerar que a cidade de São Paulo e toda a Grande São Paulo é marcada pelo êxodo rural massivo dos anos 1960-70-80, quando o Brasil deixa de ser um país rural para ser urbano. (Hoje somos aproximadamente 80%morando nas cidades; naquela época, estima-se que era o contrário). Esse escriba mesmo compartilha dessa experiência, urbanizou-se e hoje procura “ruralizar-se’. 

Não se trata de dizer que um urbano não tem o direito de vir par ao meio rural. Seria um pensamento simples, para um tema complexo. A ideia é apenas sinalizar que pessoas urbanas no meio rural certamente irão trazer algo de novo, tanto coisas boas, como a possibilidade de outros tipos de conhecimentos sobre a terra, quanto aquelas que poderíamos transmutar para outras coisas. Um primeiro item dessa lista que desejamos que sejam transformado é aqueles que só desejam ter os “sítios de lazer”; que produzem um habitar sobre a terra sem conhecê-la de fato. Estar sobre a topografia sem estar sob as regras da terra; seria o fenômeno da perda da consciência corporal que assistimos na vida urbana; em função de miriades de apelos “virtuais”, de uma indústria do entretenimento (Guy Deboi), hoje levamos uma vida que não considera o próprio corpo; esse fenômeno ocorre no meio rural de Juquitiba, e se ampliado, acontece em toda ruralidade próxima aos grandes centros urbanos. Sendo radical, com a chegada da televisão via antena parabólica, certos aspectos da vida urbana tem infiltrado nos vários córregos e “grotões” do Brasil. 

Esse é o primeiro desequilíbrio eco-lógico que entrava quem deseja ser agricultor nesse meio rural habitado por citadinos. O desequilíbrio ecológico consiste em que surge uma vida possível sem que seja necessário relacionar-se com a dinâmica da terra. Nesse contexto, certa vez presenciei a cena de um carro que vendia verduras nas estradas do “Bairro rural” da Palestina, o qual sempre achei ser próprio da cidade. Pessoas habitam a terra, recebem salários, e compram tudo na cidade, incluindo coisas que são produzidas na vida campestre, alimentos. Esse “caseiro” que está na terra, mas dela só está sobre; tal vida só é possível por haver citadinos que desejam um lugar para “lazer” e, portanto, tem outras demandas, como a grama cortada e casa limpa, etc.  

Além desse estar sem estar, que me parece ser o problema mais profundo e estrutural, temos outros impactos, tais como hábitos da cidade em fazer muros, ascender luzes, ligar sons (especialmente nos finais de semana) e “curtir a natureza”, isto é, olhar para paisagens sem dela saber nada ou apenas tratá-la como “mato”. Casas nos morros só para olhar lá de cima… 

Essa dinâmica que ignora a terra e depois a subordina à cidade, nega o lugar duas vezes. Nega por não saber sobre, nega em seguida por implantar uma regra de vida que só vive como satélite da vida da cidade. O morador do sítio é aquele que vive com os pés no sítio e a cabeça imaginando como deve ser a vida lá, lá na cidade. Não será raro a fantasia de que vida boa mesmo é lá na cidade, pois como aqui eu nego por completo e a grana que me paga vem de lá, sou levado a crer que lá é o melhor lugar. 

Esse é o problema que mais impacta quem deseja ser agricultor em Juquitiba. Essa vida de meio rural satélite de um grande centro urbano. Interfere na economia, na dinâmica econômica, que descola da vida rural e se atrela à economia citadina, tornado inviável toda ordem de insumos rurais. Falta saber, como insumo mais relevante para a produção agro-ecológica, e os insumos são cotizados a preços urbanos. Tornando produzir alimentos algo quase nulo. 

Temos ainda, encarado os dois outros que são a falta de saber e a vida rural subordinada à cidade, o desafio de reaprender a ser produtor rural. Superar ao menos as práticas rurais que a várias gerações habita nossa pré-consciente familiar. Compreender que há muitos jeitos de tornar-se um produtor rural; superar nosso passado de Brasil de monocultura ou extrativismo. Dois traço da nossa cultura geral sobre o que é ser produtor rural. Levando-nos muito mais para uma psicanálise do que mera técnicas agropecuárias, pois superar o vício de cortar mato e queimar só com longos anos de análise. 

Possíveis caminhos
A ação apenas na minha propriedade não irá mudar essa realidade. Ela só caminha para mudança no conjunto e por isso mesmo passa pela ação do município como um todo. Uma educação “ambiental” como marca de toda a orientação curricular das escolas no município é o ato mais nobre a ser perseguido. Lembrando que ambiental não é falar dos matos (flora) e dos bichinhos (fauna), por esse tema estamos falando de tomar consciência do lugar; o que compõe o lugar; e logo veremos que “sentar dentro do ônibus e não colocar os pés no banco da frente, é educação ambiental”, ou não escutar som alto, prática muito comum nos sítios em finais de semana, também consiste em educação ambiental. 

Ambiente portanto é tudo que nos cerca e uma educação ambiental é aquela que nos leva a perceber tudo isso. O que no nosso caso, de município com grande conservação de fauna e flora do bioma Mata Atlântica, nos levará a perceber e compreender a dinâmica desse sistema, seu funcionamento, seu eco-sistema. 

Levar adiante um projeto de educação ambiental não será uma tarefa apenas da Secretária de Educação Municipal, nesse sentido a Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente são órgãos oficiais fundamentais nessa promoção. Órgãos Estatais que devem tomar suas funções de “promover a preservação” ou “promover a agricultura” como sendo atos de formação das pessoas. Rompendo com o lugar mais comodista de apenas “fiscalizar”, necessário, mas que tem se mostrado insuficiente de norte a sul do Brasil. 

As Igrejas
Outras instancia fundamental para uma vida rural sadia é a experiência religiosa. Em rápida olhada, as grandes religiões, seja elas a monoteísta (judaísmo, cristianismo e islamismo)  ou as “religiões filosóficas” e ainda as tradições animistas (experiências religiosas que dotam como possuidores de vida várias instancias da realidade, habitualmente consideradas como inanimadas), todas falam da relação do homem com seu meio. 

Tomando a tradição cristã, a qual podemos notar uma presença considerada na vida urbana e rural de Juquitiba, são fartos os relatos que implica uma vida rural. Colheitas, pastoreio, etc. As lideranças das várias denominações religiosas são portanto outro fator de excelsa importância para uma vida mais ecológica, mas sintonizada com o lugar onde se habita. Cada uma a seu modo, segundo seus credos específicos, conseguem promover o maior entusiasmo com a terra; sem falar na mobilização pelo respeito à terra, como lugar sagrado. 

Em conclusão, sem as várias instituições que fazem parte da vida dos munícipes, incluindo aí as que compõe a experiência de fé, não conseguiremos uma mobilização geral por uma vida feliz sobre a terra. Um vida que estabeleça o justo diálogo com as regras da terra; que procure o equilibro entre essas regras e as nossas aspirações humanas que habitam essa terra. 


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