Eliade, M. Mefistófeles e o andrógino: comportamentos religiosos e valores espirituais não-europeus. Trad. Ivone Castilho Benedetti, 2a ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
Cídio Lopes de Almeida
[anotações para estudo pessoal]
Resumo
O texto explora o simbolismo da luz e da androginia em diversas tradições religiosas e místicas, analisando como essas imagens representam a experiência mística e a busca pela totalidade. A pesquisa investiga paralelos entre diferentes culturas, desde o xamanismo siberiano e esquimó até o hinduísmo, o budismo e o cristianismo, mostrando como a luz interior e a união dos opostos são concebidos como caminhos para a transcendência e a reintegração com o divino. A análise também abrange cultos milenaristas e escatológicos, focando na ideia de um retorno paradisíaco e na renovação cósmica, conectando essas crenças com o simbolismo da corda e da tecedura como metáforas da interconexão entre o humano e o divino. Finalmente, o texto discute a importância do simbolismo em diferentes áreas de estudo, incluindo a psicologia, a história das religiões, e a compreensão da condição humana.
Resenha do livro “Mefistófeles e o andrógino: comportamentos religiosos e valores espirituais não-europeus” de Mircea Eliade
O livro “Mefistófeles e o andrógino: comportamentos religiosos e valores espirituais não-europeus” é uma coletânea de ensaios de Mircea Eliade que exploram a universalidade de certos temas e símbolos religiosos, com foco particular nas culturas não-europeias. Eliade argumenta que a compreensão dessas culturas é crucial para o Ocidente, especialmente em um mundo cada vez mais globalizado, onde o diálogo intercultural é inevitável.
A Importância do Diálogo Intercultural
É destacado a necessidade de um diálogo legítimo com outras culturas, baseado na compreensão e no respeito mútuo. Ele critica a abordagem do século XIX que via as culturas não-europeias como inferiores ou “primitivas”. Em vez disso, propõe uma hermenêutica que reconheça o valor intrínseco dessas culturas e sua contribuição para a história do espírito humano.
O Simbolismo da Luz Interior
Um dos temas centrais do livro é o simbolismo da luz interior, explorado em diferentes tradições religiosas. Eliade analisa a experiência da luz interior em culturas xamânicas, no hinduísmo, no budismo, no taoísmo e no cristianismo, demonstrando como essa experiência se manifesta em diferentes contextos e assume diferentes significados. Ele argumenta que a luz interior simboliza a transcendência, o acesso a um plano superior de realidade, e a revelação da realidade última.
A Coincidência dos Opostos
Outro tema importante é a coincidência dos opostos, explorada através do mito do andrógino e de outras crenças e práticas que buscam a união dos contrários. Eliade analisa mitos e lendas que retratam a relação paradoxal entre Deus e o Diabo, como no “Prólogo ao Céu” de Fausto, de Goethe. Através de exemplos da cultura hindu, ele demonstra como a união dos opostos é um caminho para a transcendência e a realização espiritual.
O Fio e a Tecelagem: Símbolos da Condição Humana
Temos no livro um ensaio ao simbolismo do fio e da tecelagem, mostrando como essas imagens expressam a condição humana, o destino e a trama da existência. Ele analisa a corda como símbolo de conexão com o divino e a tecelagem como metáfora para a criação e a ordem cósmica.
A Importância do Simbolismo na Compreensão da Religião
Ao longo do livro, Eliade enfatiza a importância do estudo do simbolismo para a compreensão da religião. Ele argumenta que os símbolos revelam verdades profundas sobre a natureza humana e a realidade última. O estudo do simbolismo permite ao historiador das religiões penetrar na alma de diferentes culturas e compreender a universalidade da experiência religiosa.
Metodologia do Historiador das Religiões
Eliade discute a metodologia específica do historiador das religiões, diferenciando-a da abordagem do teólogo, do filósofo ou do psicólogo. Ele destaca a importância de considerar os contextos históricos e culturais dos símbolos e a necessidade de integrar diferentes perspectivas para alcançar uma compreensão abrangente do fenômeno religioso.
Conclusão do plano geral da obra
“Mefistófeles e o andrógino” é uma obra que convida o leitor a repensar a relação do Ocidente com outras culturas e a aprofundar sua compreensão da experiência religiosa. Através da análise de temas e símbolos universais, Eliade demonstra a importância do estudo da religião como chave para a compreensão da humanidade.
Vale ressaltar que a obra foi escrita em 1958, e alguns de seus conceitos podem ser considerados datados ou problemáticos sob a ótica contemporânea. No entanto, a erudição de Eliade e sua paixão pelo estudo da religião tornam este livro uma leitura valiosa para qualquer pessoa interessada na história das religiões e na busca pelo significado da existência humana.
A reter sobre a metodologia do Historiador da Religião Segundo Eliade
Eliade defende uma metodologia específica para o historiador das religiões, distinta da abordagem de outras disciplinas como teologia, filosofia ou psicologia. O historiador das religiões, segundo Eliade, deve se concentrar nos símbolos religiosos, buscando compreendê-los em seus contextos históricos e culturais.
Diferenciação com outras disciplinas:
Teologia: A teologia se concentra na relação entre Deus e o homem, buscando aprofundar e elucidar essa relação. O historiador das religiões, por sua vez, adota uma abordagem empírica, buscando compreender e tornar inteligíveis os fatos histórico-religiosos.
Outras disciplinas: O historiador das religiões se diferencia do linguista, do psicólogo e do sociólogo por se concentrar especificamente nos símbolos religiosos e sua relação com a experiência e concepção religiosa do mundo.
Características da metodologia de Eliade:
Compreensão da significação e da história do fato religioso: O historiador das religiões se preocupa tanto com a significação do fato religioso quanto com sua história, buscando integrar ambas as dimensões em sua análise.
Busca pela estrutura dos fenômenos religiosos: A partir do trabalho histórico, o historiador das religiões pode se dedicar à sistematização dos resultados de suas pesquisas e à reflexão sobre a estrutura dos fenômenos religiosos, atuando como fenomenólogo ou filósofo da religião.
Ênfase no concreto histórico: Apesar da possibilidade de incursões na fenomenologia e filosofia da religião, o historiador das religiões nunca deve abandonar o contato com o concreto histórico, buscando decifrar o destino das experiências religiosas em seu contexto temporal e histórico.
Importância das religiões arcaicas e primitivas: Diferentemente da teologia, que se concentra nas religiões reveladas, o historiador das religiões busca se familiarizar com o maior número possível de religiões, especialmente as arcaicas e primitivas, onde encontra instituições religiosas em seu estágio elementar.
Compreensão da totalidade da história espiritual da humanidade: Para Eliade, o Ocidente não pode viver ignorando uma parte importante de si mesmo, a parte constituída pela história espiritual da humanidade. O diálogo com outras culturas deve ser iniciado em uma linguagem cultural capaz de expressar realidades humanas e valores espirituais.
Desafios metodológicos:
Grande quantidade de documentos: A vastidão de dados e símbolos religiosos representa um desafio para o historiador, que precisa selecionar e organizar os materiais de forma criteriosa.
Diversidade de contextos culturais: Os símbolos religiosos se manifestam em diferentes contextos culturais, o que exige do historiador a capacidade de compará-los e interpretá-los levando em conta suas particularidades.
Superando os desafios:
Busca pela estrutura do símbolo: A análise da estrutura do símbolo permite ao historiador compreender seu significado e função, mesmo em contextos culturais distintos.
Compreensão do processo de enriquecimento do símbolo: Ao longo da história, os símbolos religiosos adquirem novas significações e valências. O historiador deve analisar esse processo de enriquecimento para entender a dinâmica do símbolo.
Comparação com a psicologia:
Eliade compara o trabalho do historiador das religiões com o do psicólogo do profundo, ambos buscando compreender “situações” – individuais para o psicólogo e históricas para o historiador. Assim como o psicólogo busca estruturas na sintomatologia individual, o historiador das religiões busca estruturas nos símbolos religiosos para compreendê-los em sua totalidade.
Considerações finais:
Eliade defende a autonomia das ciências das religiões, com metodologia e perspectiva próprias. O historiador das religiões deve ir além do trabalho filológico e histórico, buscando a compreensão e interpretação dos fatos religiosos em sua totalidade, sem se esquivar do desafio da síntese e da elaboração de teorias gerais.