História das Crenças e das Ideias Religiosas 2

História das Crenças e das Ideias Religiosas 2

RESENHA

ELIADE, Mircea. História das Crenças e das Ideias Religiosas: Da Idade da Pedra aos Mistérios de Elêusis. Tradução de Roberto Cortes de Lacerda. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. v. 2.

Cídio Lopes de Almeida

Resumo

No segundo volume do Tomo I de História das Crenças e das Idéias Religiosas de Mircea Eliade, será abordado a religião dos indo-europeus, explorando suas origens, mitos, deuses e rituais. Eliade analisa como essa cultura se espalhou por vastas regiões e se influenciou pelas civilizações do Oriente Próximo. O foco principal recai sobre o desenvolvimento religioso na Índia, onde a cosmogonia, o sacrifício, o ascetismo e a busca pela iluminação foram elementos importantes. Além disso, o autor explora a religião grega, especialmente o papel de Zeus, os heróis e a influência dos Mistérios de Elêusis. A análise também se estende à religião iraniana, focando na figura de Zaratustra, sua mensagem, a ascensão do deus Aúra-Masda e o desenvolvimento de uma escatologia linear. Finalmente, o texto explora a religião dos hebreus, a importância da figura de Javé e a evolução do profetismo em Israel.

Resenha

Este segundo volume da obra de Mircea Eliade aborda um período crucial na história das religiões, traçando um panorama das crenças e ideias que floresceram entre os povos indo-europeus e semitas desde o período védico até o auge do culto a Dionísio na Grécia Antiga. O autor não se limita a uma mera descrição cronológica dos eventos, mas busca desvendar a estrutura do pensamento religioso, revelando as motivações, os anseios e as interconexões que unem diferentes culturas em sua busca pelo sagrado.

Pontos estruturantes da obra:

A Religião dos Indo-Europeus: O livro inicia sua jornada explorando a estrutura da religião indo-europeia, utilizando a riqueza da tradição védica como principal fonte de pesquisa. Eliade destaca a importância do conceito de rta, a ordem cósmica que permeia todas as esferas da realidade e serve como fundamento para a lei, a moralidade e o ritual. O autor analisa as principais divindades védicas, como Varuna, o guardião do rta, e Indra, o deus guerreiro que assegura a ordem cósmica através de seus feitos heroicos. Eliade explora a complexa relação entre esses deuses, demonstrando como a mitologia védica reflete uma visão multifacetada da realidade divina.

O Sacrifício como Motor da Criação: O autor dedica especial atenção ao papel do sacrifício na cosmogonia védica. Através do Purusasukta, hino que descreve o sacrifício do Homem Primordial (Purusha), Eliade demonstra como os antigos indianos concebiam o sacrifício como a força motriz por trás da criação do universo. Essa ideia é posteriormente elaborada nos Bramanas, textos que expandem a teologia védica e estabelecem as bases para o desenvolvimento do hinduísmo..

A Busca pela Libertação: O livro acompanha a evolução do pensamento religioso na Índia, mostrando como a ênfase no sacrifício ritualístico gradualmente cede espaço à busca por uma libertação espiritual mais profunda. Eliade explora as práticas ascéticas (tapas), o desenvolvimento da ioga e a emergência dos Upanishades, textos que introduzem a ideia da identidade entre o âtman (o eu individual) e o Brahman (a realidade última). A experiência da “luz interior” e a libertação do ciclo de reencarnação (samsara) se tornam os objetivos centrais dessa nova forma de religiosidade.

Zoroastro e a Escolha Moral: A obra investiga a figura enigmática de Zoroastro, profeta iraniano que revolucionou o pensamento religioso com sua mensagem dualista. Eliade examina as gâthâs, hinos atribuídos a Zoroastro, buscando reconstruir sua vida e sua doutrina. O autor destaca a importância da escolha moral entre o bem e o mal, representados por Aúra-Masda, o deus bom e criador, e Arimã, a força do mal. Essa dicotomia permeia toda a cosmologia e escatologia zoroastriana, culminando na crença em um confronto final entre as forças da luz e das trevas.

A Religião Grega: O livro explora a rica e multifacetada religião grega, analisando a complexa relação entre os deuses olímpicos e as divindades ctônicas. Eliade examina o papel dos heróis na cultura grega, mostrando como sua morte sacrificial contribui para a fundação de cidades e a proteção da comunidade. O autor dedica um capítulo inteiro aos Mistérios de Elêusis, cultos secretos que prometiam aos iniciados a experiência da imortalidade e a união com a deusa Deméter.

O Terror da História em Israel: Eliade volta sua atenção para a religião de Israel, analisando a figura dos profetas e sua relação com Javé. O autor destaca a importância da história na experiência religiosa hebraica, mostrando como os profetas interpretam os eventos políticos e sociais como manifestações da vontade divina. A mensagem de Isaías, Jeremias e Ezequiel revela a angústia e a esperança de um povo que busca compreender o significado do sofrimento e da opressão.

Dionísio e a Busca pelo Êxtase: O livro culmina com a análise do culto a Dionísio, deus grego do vinho, da fertilidade e do êxtase. Eliade examina a natureza paradoxal de Dionísio, que representa ao mesmo tempo a força vital da natureza e a desintegração da ordem social. O autor destaca a importância do teatro grego, particularmente a tragédia de Eurípides As Bacantes, como fonte de informação sobre o culto dionisíaco e sua relação com a sociedade grega.

Influência e Interconexões:

            Ao longo do livro, Eliade demonstra como as diferentes religiões se influenciaram mutuamente. A presença de elementos xamânicos na tradição zoroastriana, por exemplo, sugere contatos com as culturas da Ásia Central. A difusão de cultos de mistério, como o de Elêusis, demonstra a busca por experiências religiosas mais pessoais e místicas em um contexto de religiões cívicas, influenciando posteriormente o desenvolvimento do cristianismo. A própria ideia de um Salvador (Saoshyant) no zoroastrismo pode ter exercido influência na crença em um Messias no judaísmo.

            Embora o livro não se aprofunde na questão específica da influência de outras culturas nas religiões semíticas, a análise da religião iraniana e sua interação com as culturas do Oriente Médio fornece um ponto de partida para essa investigação. A presença do zoroastrismo no Império Persa, que dominou vastas áreas do Oriente Médio, sugere um intercâmbio cultural significativo com as culturas semíticas.

Conclusão:

A obra de Mircea Eliade oferece uma visão abrangente e profunda da história das religiões, revelando as interconexões e as motivações que unem diferentes culturas em sua busca pelo sagrado. O autor vai além da mera descrição dos eventos, buscando desvendar a estrutura do pensamento religioso e iluminar os temas que continuam a ressoar na experiência humana até os dias de hoje.

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