História das Crenças e das Ideias Religiosas 1

História das Crenças e das Ideias Religiosas 1

RESENHA

ELIADE, Mircea. História das Crenças e das Ideias Religiosas: Da Idade da Pedra aos Mistérios de Elêusis. Tradução de Roberto Cortes de Lacerda. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. v. 1.

Cídio Lopes de Almeida

Resumo

História das Crenças e das Ideias Religiosas – Tomo 1 – Vol.1, do historiador das religiões Mircea Eliade, explora a evolução das crenças e práticas religiosas desde a pré-história até o mundo antigo. Ele discute temas como a caça, a agricultura, o surgimento da escrita, o desenvolvimento de mitos e ritos, a natureza da divindade e a sacralidade dos governantes em diferentes culturas, como a mesopotâmica, egípcia, cretense e cananéia. A obra de Eliade é um estudo profundo e abrangente sobre a história da religião, revelando a complexidade do desenvolvimento humano e espiritual ao longo dos milênios.

Resenha

O primeiro volume de “História das Crenças e das Ideias Religiosas” de Mircea Eliade investiga as primeiras manifestações do sagrado na história da humanidade. Conduz o leitor por uma viagem fascinante, desde os comportamentos mágico-religiosos dos paleoantropídeos até as sofisticadas teologias do antigo Egito, desvendando os temas e conceitos estruturantes que moldaram a consciência religiosa da humanidade.

Um dos conceitos-chave da obra é a ideia de “hierofania”, a manifestação do sagrado no mundo profano. Eliade argumenta que as primeiras experiências religiosas foram desencadeadas por encontros com o extraordinário, com o numinoso. Fenômenos naturais como o céu, o sol, a lua, as tempestades, as montanhas e as águas foram percebidas como hierofanias, como irrupções do sagrado na realidade cotidiana.

A partir dessas hierofanias, os seres humanos começaram a construir um “cosmo”, um mundo ordenado e significativo. A postura ereta, o desenvolvimento de ferramentas e a domesticação do fogo possibilitaram a humanidade transcender a sua condição animal e organizar o espaço em torno de um “centro”, um ponto de conexão com o sagrado. Os paleoantropídeos já demonstravam uma consciência da morte e da possibilidade de uma existência pós-morte, como evidenciado pelas sepulturas, pinturas rupestres e depósitos de ossadas encontrados em sítios arqueológicos.

A revolução neolítica e a descoberta da agricultura representaram um marco na história religiosa, inaugurando uma nova era de criatividade e transformação de valores. A domesticação de plantas e animais proporcionou a humanidade um novo tipo de relação com a natureza, levando à criação de mitos e rituais ligados à fertilidade, à morte e ao renascimento. Eliade destaca como cada inovação tecnológica, econômica e social do Neolítico parece ter ressoado em um nível religioso.

A obra examina as religiões da Mesopotâmia, com destaque para a complexa cosmogonia sumeriana. A tríade dos Grandes Deuses (An, En-lil e En-ki) representa as forças cósmicas primordiais, enquanto o mito do paraíso Dilmun evoca uma era de perfeição e abundância. A concepção sumeriana de “decretos” (me) que governam o destino e a ordem cósmica é um tema central na obra. A festa do Ano Novo (akitu) é interpretada como uma reencenação da cosmogonia, garantindo a regeneração do mundo e a continuidade da vida.       

Eliade explora o impacto da ascensão da Babilônia e a reinterpretação da cosmogonia pelo deus Marduk. O mito de criação babilônico (Enuma elish) narra o conflito cósmico entre Marduk e a serpente Tiamat, representando a vitória da ordem sobre o caos. A festa do Ano Novo babilônica também celebra a supremacia de Marduk, assegurando a prosperidade do reino. O autor destaca a importância da adivinhação, da magia e das disciplinas ocultas na religião babilônica.

A análise das ideias e crises no antigo Egito revela a importância da “Primeira Vez” (Tep zepi) como modelo exemplar para a ordem cósmica e social. O deus solar Ré, o criador do mundo, representa a força vital que sustenta o cosmo. O Faraó, como encarnação da ordem (ma’at), assegura a estabilidade do mundo e a continuidade da vida. Eliade explora as responsabilidades do Faraó como um deus-encarnado e a sua identificação com Ré.    

O mito de Osíris, o deus assassinado e ressuscitado, é um tema central na religião egípcia. Osíris representa a esperança da superação da morte e a possibilidade de uma nova forma de existência espiritual. A análise dos Textos das Pirâmides e dos Textos dos Sarcófagos revela a crença na viagem celeste do Faraó após a morte e a sua identificação com Osíris. Eliade examina a crise social e religiosa do Primeiro Período Intermediário e a emergência de uma nova ênfase na pessoa humana como réplica do modelo exemplar do Faraó.    

A dominação hicsos e a subsequente libertação do Egito marcam um período de profundas transformações na religião egípcia. Eliade examina a ascensão do nacionalismo e da xenofobia como reação à ocupação estrangeira. A reforma religiosa de Akhenaton e o seu culto ao deus solar Aton são analisados como uma tentativa de romper com a tradição religiosa e estabelecer um novo paradigma.

O volume se encerra com a análise da síntese final da religião egípcia, a associação de Ré-Osíris. Essa fusão representa o ciclo eterno da vida, morte e renascimento, com Ré representando o sol diurno e Osíris o sol noturno. O Livro dos Mortos é examinado como um guia para a vida após a morte, com ênfase no julgamento da alma e na “confissão negativa” como um reflexo da moralidade e da busca pela justiça (ma’at).          

Em suma, o primeiro volume de “História das Crenças e das Ideias Religiosas” é uma obra fundamental para a compreensão das raízes da experiência religiosa humana. Eliade apresenta uma análise erudita e instigante das primeiras formas de religiosidade, revelando a sua riqueza, complexidade e importância para a construção da cultura e da civilização. A obra nos convida a refletir sobre a natureza do sagrado, a busca por sentido e a eterna procura humana pela transcendência.


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