Das Formas Simbólicas a Maçonaria Simbólica: a linguagem simbólica como relação de identidade na Maçonaria.

Das Formas Simbólicas a Maçonaria Simbólica: a linguagem simbólica como relação de identidade na Maçonaria.

Das Formas Simbólicas a Maçonaria Simbólica: a linguagem simbólica como relação de identidade na Maçonaria.*

Cídio Lopes de Almeida**

O contexto da comunicação situa-se nas investigações do doutoramento em Ciências das Religiões sobre a maçonaria enquanto sociabilidade baseada em filosofia de vida, que faz largo uso da linguagem simbólica como meio de construção dos laços fraternais e comunitários. A linguagem na obra A Filosofia das Formas Simbólicas é apreciada em seus aspectos de origem, de como a forma simbólica constitui a própria estrutura da consciência. Aborda um panorama de debate sobre a filosofia da linguagem, sucedido em como ela supera aspectos sensíveis, levando-a aos temas de uma linguagem que expressa intuição e reflexão conceitual. A outra parte contextual da comunicação situa-se na Maçonaria Simbólica, que se articula nas atividades de uma Loja Maçônica, uma unidade local desta sociabilidade. Em termos de delimitação, a apreciação será sobre três rituais utilizados em Loja, denominados de Ritual Simbólico e entre os variados Ritos utilizados nas práticas maçônicas, o Rito Escocês Antigo e Aceito, nos graus simbólicos de Aprendiz, Companheiro e Mestre Maçom. Estes documentos orientam as práticas semanais das sessões maçônicas e contém uma linguagem simbólica, fazendo de todo o processo um constante momento de cultivo de uma ampla gama de símbolos de formação filosófica do maçom. O constante manuseio, com é próprio dos ritos, faz reviver uma ideia de identidade maçônica, por uma linguagem estruturada a partir de elementos da construção civil, mas que é tomada de modo simbólico e alegorizada como construção da identidade do adepto.  O objetivo da comunicação é relacionar algumas ideias centrais da obra A Filosofia das Formas Simbólicas – Primeira Parte A Linguagem, do autor Ernst Cassirer, com a ideia de Maçonaria Simbólica, expressa nos Rituais de Aprendiz, Companheiro e Mestre Maçom do Rito Escocês Antigo e Aceito da Maçonaria Simbólica. Nossa hipótese investiga as práticas ritualísticas da maçonaria expressas nos rituais como um construtor de identidade segundo a ideia de linguagem expressa na obra de Ernst Cassirer.  Nosso método é bibliográfico, documental e exploratório. Espera-se indicar que práticas de sociabilidade permeadas e dinamizadas por linguagem simbólica potencializa e proporciona a construção de identidade, bem como é uma força simbólica de agregação comunitária da maçonaria.

1 As formas simbólicas e o filosofar

A apreciação do tema da linguagem no âmbito do pensamento de Ernst Cassirer está situada no debate filosófico que se desenvolve a partir do filósofo Imanuel Kant, especialmente sobre os temas do conhecimento e seus limites. Estas ideais e problemas filosóficos foram expressos nas suas três obras “críticas”. O criticismo, como por vez é referido, ganha uma tradição particular a partir da Escola de Maburgo, que procura confluir aspectos do idealismo e do kantismo, esboçado nas preocupações entre rigor lógico e a ideia de sistema.

Outros aspectos presentes na obra Introdução à Filosofia das Formas Simbólicas***, até certo ponto compartilhado com este contexto, é a busca pelas condições de possibilidade do conhecimento, isto é, um conhecimento ou dado, não surgem do além do horizonte de sentido e se apresenta por si como um novo conhecimento. O novo, e o próprio conhecimento, dito conceito, não se mostram à consciência e ao espírito sem antes pensarmos que ele só se mostra segundo algumas condições prévias, a priori. O exame da obra em tela procura justamente problematizar de um ponto de vista da linguagem estas condições de possibilidades, bem como de objetividade. Outro aspecto, a obra procura avançar a questão kantiana, para englobar doas as formas de expressão do espírito humano, pelo que vai além dos debates de ordem epistemológica ou de uma razão pura para ser mais preciso.

Este ampliar a investigação acerca das condições de possibilidades, antes restrita ao conhecimento, avança para aspectos da totalidade do espírito, em suas outras formas de configuração, onde, então, o autor perfila a linguagem, o mito, a arte e a ciência. Sendo nosso recorte apenas no primeiro volume sobre a linguagem.

“Assim como a moderna filosofia da linguagem, ao buscar o ponto de partida adequada para um estudo filosófico da linguagem, elaborou o conceito da “forma linguística interna”, pode-se dizer que é igualmente lícito procurar e pressupor uma “forma interna” análoga para a religião e o mito, para a arte e o conhecimento científico. E esta forma não significa apenas a soma ou o resumo posterior dos fenômenos particulares nestes campos, e sim a lei que determina as suas estruturas.” (Cassirer, p. 24)

A multiplicidade do real não pode ser unificada na ideia de uma substância, procurada pelos pré-socráticos ou mesmo por Platão, a virada “copernicana”, para aludir o movimento de Kant na epistemologia, consiste em buscar a unidade da ação, no princípio formador que dá sentido à diversidade das experiências humanas. O giro aqui é, portanto, compreender a capacidade humana em simbolizar.

Rompendo os estreitos limites da razão e suas condições de possibilidades, agora figura-se a cultura como objeto de análise do autor na obra em apreciação. A crítica da cultura busca compreender não só os detalhes de cada campo ou forma simbólica de significação/produção do real, mas como elas produzem ao fim o efeito de unificar a totalidade das aspirações do espirito.

A obra para levar a cabo esta ideia fará em cinco capítulo o seu percurso. Passa em revista a história da filosofia da linguagem, no primeiro capítulo. Aborda os aspectos da linguagem em sua fase sensível, explorando seus aspectos descritivos e miméticos, gestual, etc, no capítulo dois. No capítulo terceiro, a linguagem na sua fase da expressão intuitiva, os temas do espaço, em que o eu se vejo diferente do outro, cria as dimensões espaciais, bem como, como do tempo, como o agora, o antes, o depois, e são transitórios para uma esfera abstratas do pensamento. No tema do tempo, “a direção do passado para o futuro ou do futuro para o passado constitui algo próprio e inconfundível.” (Cassirer, p. 240). Para o autor, a linguagem não só reflete o espaço, mas o constrói ativamente, e por esta ideia molda a realidade objetiva.

No capítulo quarto, “A linguagem como expressão da reflexão do conceitual. A forma da criação de classes e de conceitos linguísticos” (Cassirer, p. 347), mostra-se o conceito como uma complexa relação entre a percepção, a ação, a imaginação e a capacidade da linguagem para generalizar. No capítulo quinto, sobre as “[..] formas puras de relação. A esfera do juizo e os conceitos de relação” (Cassirer, p. 389) é destacado como a frase, a evolução dos sufixos, a sintaxe e a cópula são exemplos de como a linguagem se mola para expressar o pensamento abstrato.

Para Fernando Sepe Gimbo, a obra em questão representaria um encontro entre a filosofia da linguagem e a fenomenologia, onde “[…] “mito”, “linguagem”, “arte”, “ciência” [aspas no original] serão entendidos como formas simbólicas [itálico no original] perante as quais o trabalho do filosófico consistiria, precisamente, em se perguntar pelas condições de possibilidades de sentido interno a cada uma dessas formas”. (GIMBO, 2022, p. 202). Esta ideia entre a lógica, expresso nas meditações da filosofia da linguagem, e da fenomenologia, neste exercício da apreciação crítica da cultura, é expresso pelo autor as Formas Simbólicas da seguinte forma:

“A formação de conceitos da linguagem distingue-se, antes de mais nada, do modo lógico, em sentido mais estrito, da formação conceitual, pelo fato de para ela jamais ser essencial a verificação e comparação dos conteúdos, mas que a forma pura da “reflexão” aparece aqui entremeada de motivos determinados e dinâmicos – e que ela não recebe seus impulsos essenciais só do mundo do ser, mas sempre também do mundo do agir. Os conceitos lingüísticos [trema na tradução] situam-se todos na divisa entre ação e reflexão, entre o fazer e o contemplar. Não existe aqui um mero classificar e ordenar de noções, de acordo com determinados sinais objetivos, mas sempre se exprime, justamente através dessa captação objetiva, ao mesmo tempo um interesse ativo no mundo e sua constituição. (Cassirer, p. 358)

A reter da obra, a função simbólica em Cassirer procura pensar como se articula aspectos analíticos e estéticos sobre o sensível na função criativa.

2 Maçonaria Simbólica

A Maçonaria é um fenômeno social multifacetado. O recorte aqui situa-se em três contextos, primeiro o Rito Escocês Antigo e Aceito (REAA), como método pedagógico/mistagógico, depois a Loja Maçônica XXVII de Setembro, onde ele é praticado.  A Loja e o Rito, estão ligados e subordinadas à Grande Loja Maçônica do Estado de São Paulo (GLESP).  Por maçonaria simbólica, o recorte compreende uma parte do fenômeno maçônico circunscrito às Lojas Simbólicas, administradas pela Grande Loja, e dividida em três graus dos adeptos, que são inscritos como seus membros. A formação maçônica dentro deste “simbolismo” é dividida em Grau de Aprendiz Maçom, Companheiro Maçom e de Mestre Maçom.

Em apreciação destacamos alguns pontos estruturantes destes documentos. O termo simbólico é apreciado sob a ideia de que o ensino maçônico e construído com símbolos, sobretudo situados na ideia de construção civil, que serão alegorizados para se extrair sentidos, e ideias de filosofia moral. Outros aspectos é a relevância do Templo Maçônico, com a disposição de símbolos no seu interior, como lugar de formação segundo esta filosofia de vida.

A dinâmica nos três graus, apesar de uma variação de grau, articula uma ritualística, uma exposição simbólica, sonora, e toda uma reflexão em torno do espaço do Templo, que neste caso do REAA é considerado espaço sagrado. O Ritual ainda comporta uma narrativa mais explicita sobre os ideais maçônicos a serem admitidos como sendo pessoais pelos adeptos.

Há um certo espaço para que cada adepto possa recontar uma certa apreciação e articulação de um conjunto de temas, sobretudo nas chamadas Instruções do Rituais. Para além de uma rotina ritualística de início meio e fim, são momentos de reflexão, como parte das atividades do exercitar-se maçom, a produção de resenhas, denominadas pelos adeptos de “pranchas”, em alusão alegórica à forma onde no canteiro de obras medieval se fazia anotações importante para a obra em curso.

Os motivos para as resenhas, que serão lidas pelo adepto em Loja, começam com a própria iniciação, seguida de 7 instrução do grau. O mesmo será replicado na cerimonio de passagem para o grau de Companheiro, chamada de elevação, e para a de Mestre, denominada de exaltação. Soma-se que os dois graus subsequente tem as suas Instruções em torno das quais o maçom é convidado a produzir resenhas. Como a linguagem e a referência estão cifradas em linguagem com cariz simbólico, há um espaço criativo para tecer comentários, interpretações. Sobre o símbolo da “pedra bruta”, para termo sum exemplo, que será tomado como alegoria para o estado da pessoa sem conhecimento, sem se aplicar ao processo de aquisição de conhecimento ou de “lapidar a pedra bruta”, pode-se explorar variadas facetas temáticas, tais como em que sentido em nossos dias a mídias socias ajudam ou dificultam este processo. Como aspectos este símbolo pode ser ligado a ideia de que na maçonaria nos reunimos para “levantar templos às virtudes e cavar masmorras aos vícios”.

            A maçonaria simbólica congrega a partir de uma plêiade de símbolos, um rico repertório referencial para se exercer a atividade de meditação, de elaboração de ideias. Não se estabelece um conjunto de textos precisos, mas referências simbólicas capazes de levar o adepto a investigar variados âmbitos simbólicos, da cultura filosófica da grecia antiga, dos números pitagóricos, de temas da matemática moderna, com dileção para a geométrica analítica em geral, mas tudo de modo indicativo, cifrado nos símbolos, e da cultura oral que convida para que se retire deles alegorias.

3 A maçonaria como forma simbólica e condições de possibilidade de identidade.

Uma primeira aproximação entre a obra Formas Simbólicas e a Maçonaria Simbólica parece-nos ser possível verificar algumas similitudes. A ideia casseriana de condições de possibilidades da manifestação do espírito, pela cultura, encontra eco com os ideias de uma maçonaria simbólica que cifra ao longo de três rituais uma ampla gama de situações simbólicas capazes de serem provocadoras de uma forma de produção cultural do adepto.

Um aspecto que salta é a análise do autor entre o espaço e tempo e como o mesmo está relacionado como a próprio surgimento do eu e outro. O templo no REAA como lugar sagrado de modos variados faz alusão ao ser maçom em relação a este espaço. E por esta chave, a formação do eu identidade maçônica vinca-se neste jogo espacial e temporal, pois para os trabalhos ocorrerem no tempo, há um tempo místico que é o do meio dia até meia noite.

Considerações Finais

            Como aspectos de uma filosofia da linguagem que se articula com uma fenomenologia, as meditações de Cassirer fornecem um repertório pertinente para a leitura ou para a produção do conceito da Maçonaria, e posterior debate sobre uma práxis do cientista da religião a colaborar com este fenômeno social.  Enquanto referencial teórico, o pensamento em tela permite que se manifeste a especificidade deste fenômeno de sociabilidade baseado em filosofia de vida. A obra ao articular aspectos da linguagem, na chave da filosofia da linguagem, bem como abre-se ao campo do sentido, da fenomenologia, atenta com isto as nuances da ação humana, enquanto possibilidade de expressão da singularidade, em termos da sua dinâmica própria de simbolizar, deste fenômeno. A Maçonaria está perpassada não só de uma objetividade linguística, expressas nas complexas teias de estabelecimentos jus filosófico do que seja a Ordem Maçônica e nos seus Rituais, mas consegue, ao mesmo tempo, estar aberta para um campo da ação humana, expresso na construção da cultura humana, que é o exercitar maçônico a partir da sua simbólica, a espera do exercitar poeticamente do adepto sobre tais símbolos, que lhe permite um jogo especular sobre um repertório fixo e aberto de símbolos. A identidade mostra-se neste entranhar simbólico como uma prática persistente e uma memória histórica, que é apropriado pelo exercício de resenhar os mistérios aos quais os símbolos sempre apontam, mas nunca pré-determina.

* Comunicação apresentada oralmente no VI Congresso Internacional da Faculdades EST [7 a 10 outubro]: Religiões e Deslocamentos: Desafios para a educação teológica. GT 9: Identidades, Sociabilidades e Expressões Religiosas nas Contemporaneidade.  Online, 2024.

** Doutorando em Ciências das Religiões no PPGP Faculdade Unida de Vitória. Bolsista FAPES.

* Por forma simbólica devemos entender toda energia mental por meio do qual um conteúdo inteligível de sentido é ligado, intrinsecamente, a um signo sensório concreto. Dessa maneira, a linguagem, o mundo mítico-religioso e a arte se mostram como formas simbólicas particulares. Pois, em cada uma delas, o fenômeno básico toma forma; nossa consciência não se limita a receber impressões exteriores, na verdade ela sintetiza e penetra cada impressão com a atividade livre da expressão. Então um mundo de signos e imagens criadas emerge afirmando de maneira plena e independente sua força original e contrária àquilo que designamos como realidade objetiva das coisas. (Cassirer, 2013d, pp. 176-177).

Referências Bibliográficas

CASSIRER, E. A Filosofia das Formas Simbólicas. A linguagem. Trad. Marion Frleischer. São Paulo: Martins Fontes. 2001. [Coleção tópicos]

CASSIRER, E. ‘Mythic, Aesthetic, and Theoretical Space’. In: The Warburg Years (1919-1933): essays on language, art, myth, and technology. New Haven e Londres, Yale University Press, 2013d.

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