Vamos todos morrer um dia
A análise feita pelo recolhimento das declarações do ex-presidente Jair Bolsonaro durante a pandemia de COVID-19 revela um padrão de minimização da gravidade da doença e de desdém em relação às mortes. As falas, muitas vezes proferidas em tom de deboche ou indiferença, contrastam drasticamente com a crescente tragédia humanitária que se desenrolava no país. Essa postura, amplamente divulgada por veículos de imprensa, contribuiu para a desinformação e para a polarização em um momento de crise sanitária global, gerando indignação e críticas por parte da sociedade e da comunidade científica. A insistência em tratamentos sem comprovação científica e a desqualificação de medidas preventivas, como a vacinação e o isolamento social, são exemplos claros de uma retórica que ignorou a ciência e os impactos devastadores da pandemia na vida dos brasileiros. Todo esse cenário é para termos em conta as atuais falas do ex-presidente no contexto dos “eventos em apuração do dia 08 de janeiro de 2023”.
A formação do espírito científico
A resenha tem por objeto o livro “A Formação do Espírito Científico” de Gaston Bachelard, publicado pela Contraponto Editora. A obra, que teve sua primeira edição em 1996 no Brasil, explora a psicanálise do conhecimento, focado nos obstáculos epistemológicos que impedem o avanço do pensamento científico. O autor distingue três períodos no desenvolvimento do espírito científico — pré-científico, científico em preparação e a era do novo espírito científico a partir de 1905 — e analisa como intuições primárias, imagens mentais, crenças animistas e valores subjetivos (como o mito da digestão, o complexo do pequeno lucro ou a sexualização de fenômenos) atuam como barreiras para a objetividade e a abstração necessárias ao progresso da ciência. O texto critica a precisão excessiva e a valorização de sensações diretas (como cheiro e gosto) em detrimento da experimentação controlada e do raciocínio abstrato, ilustrando essas ideias com exemplos históricos da alquimia e da física do século XVIII.
Ritos de Passagem
Resenha da obra de Arnold van Gennep, um folclorista e etnógrafo conhecido por seu estudo comparativo de rituais, notavelmente “Os ritos de passagem”. A obra foca na estrutura universal desses ritos, que marcam transições na vida de indivíduos e grupos. Van Gennep propõe que esses rituais se desdobram em três fases consistentes: separação do estado anterior, um período liminar ou de margem e, finalmente, agregação a um novo estado ou grupo. Exemplos abrangem desde cerimônias de nascimento e casamento até rituais de iniciação, mudança de domicílio e passagens cósmicas ou temporais. A análise ressalta a importância dessas sequências para a compreensão das dinâmicas sociais e mágico-religiosas em diversas culturas.
Ritos e Símbolos de Iniciação
O texto explora o conceito de iniciação em diversas culturas e períodos históricos, desde ritos tribais até manifestações em sociedades modernas. Ele detalha as estruturas e simbolismos comuns aos ritos de passagem, como a morte ritual, o retorno ao útero e o renascimento, que transformam o iniciante de um estado profano para um sagrado. A obra compara rituais de iniciação de meninos e meninas, notando suas particularidades, e analisa a complexidade das iniciações heroicas e xamânicas, que envolvem provações e a aquisição de poderes sobrenaturais. Finalmente, o texto traça a sobrevivência de motivos iniciáticos no cristianismo e na cultura contemporânea, mesmo quando seu significado religioso original é atenuado ou esquecido.
A Mente Egípcia
O texto apresenta um ensaio sobre a história do significado no Antigo Egito, distinguindo-se da história cultural ou de eventos. Explora como os egípcios construíram suas memórias e “ficções de coerência”, desde a formação do estado e a divinização do faraó, expressas em monumentos como as pirâmides. A narrativa detalha as dinastias e períodos, como o Reino Antigo e os Períodos Intermediários, analisando as transformações sociais, políticas e religiosas, incluindo o conceito de justiça conectiva e a ascensão da piedade pessoal. Finalmente, o texto aborda a influência da religião e da escrita hieroglífica na manutenção da ordem e na compreensão do divino, bem como as interpretações e redescobertas da civilização egípcia ao longo da história.
Antigos cultos mistéricos
A obra Cultos Mistéricos Antiguos de Walter Burkert, baseada em suas quatro Conferências de abril 1982, proferidas na Universidade de Havard, oferece um estudo que tencionou sob uma interpretação em perspectiva pagã dos ritos iniciáticos da Antiguidade Grega. Burkert desmistifica estereótipos, defendendo que os mistérios não eram fenômenos tardios, estritamente orientais ou meramente espirituais no sentido cristão. Ele os define como cerimônias de iniciação voluntárias, pessoais e secretas, visando uma mudança de mentalidade mediante a experiência do sagrado através da vivência (pathein) e não do aprendizado dogmático. O plano conceitual explora as necessidades pessoais e a salvação prática e imediata; as organizações diversas, que não formavam comunidades mistéricas como igrejas (exceção para o mitraísmo hierárquico); as teologias de caráter indizível, ancoradas em mito, alegoria da natureza e platonismo; e a experiência extraordinária do ritual, oscilando entre terror e bem-aventurança. A análise culmina na compreensão da natureza frágil dos mistérios como opções dentro do politeísmo, sem pretensões exclusivistas ou estruturas duradouras, o que contribuiu para seu desaparecimento frente ao cristianismo.
Elogio da razão sensível
Resenha MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. Tradução de Albert Christophe Migueis Stuckenbruck. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. Cídio Lopes de Almeida [sem revisão por pares] Resumo: A obra exploram a ideia de uma “razão sensível” proposta por Michel Maffesoli, contrastando-a com o racionalismo moderno e seu enfoque na lógica, separação e objetividade. O autor argumenta que a sociedade contemporânea, marcada pelo tribalismo, emoção e reencantamento do mundo, exige uma nova abordagem que…
Pode a Subalterna Tomar a Palavra?
O livro consiste em fragmentos de uma publicação intitulada “Can The Subaltern Speak? Reflections On The History Of An Idea,” [Pode a Subalterna Tomar a Palavra] editada por Rosalind C. Morris, com contribuições de Gayatri Chakravorty Spivak e outros autores. A obra discute extensivamente a questão da subalternidade e a possibilidade de agência e voz dos grupos oprimidos, especialmente mulheres em contextos coloniais e pós-coloniais. Os autores examinam conceitos teóricos como ideologia, poder, representação, e as intersecções de gênero, raça e classe, frequentemente engajando-se com as ideias de pensadores como Marx, Foucault, Deleuze e Derrida. Através de análises de casos específicos, como o sati na Índia e a experiência de trabalhadoras domésticas migrantes em Singapura, os textos investigam as estruturas históricas e sistêmicas que silenciam e exploram sujeitos, ao mesmo tempo em que refletem sobre a prática intelectual e ativista necessária para contestar essas dinâmicas.
A Psicanálise do Fogo
O livro “A psicanálise do fogo” de Gaston Bachelard explora a natureza psicológica e cultural do fogo, indo além de sua compreensão científica ou objetiva. A obra argumenta que a percepção humana do fogo é profundamente influenciada por complexos inconscientes, como o Complexo de Prometeu (o desejo de conhecimento e controle) e o Complexo de Empédocles (o anseio pela fusão com o elemento). Bachelard analisa como o fogo permeia devaneios, mitos, crenças alquímicas, e até mesmo a literatura, revelando sua conotação sexualizada e animista. Ele contrapõe as explicações científicas históricas do fogo, muitas vezes falhas devido a esses preconceitos inconscientes, à riqueza das interpretações subjetivas e simbólicas, evidenciando que o fogo é um “pirômeno” que moldou a mente humana primitiva e continua a influenciar o pensamento.