publicado originalmente por Luis Nassif aqui
TER, 13/01/2015 – 00:04
ATUALIZADO EM 18/01/2015 – 17:19
A cartelização dos grupos de mídia foi o passo inicial do pacto de 2005, que teve como grande mentor o finado Roberto Civita, da Editora Abril, baseado no modelo Rupert Murdoch – o australiano que se mudou para os Estados Unidos e definiu uma estratégia pesada de sobrevivência, que acabou servindo de modelo para grupos de mídia inescrupulosos.
A lógica do pacto era simples e tosca como o jornalismo de Murdoch. Com a Internet, vinham pela frente mudanças radicais trazendo o maior desafio da história para os grupos de mídia, mais do que o advento do rádio e da televisão, porque muito mais difícil de enquadrá-la em regulamentação – como foi o caso da Lei das Concessões, que restringiu a competição e entregou o filé mignon aos grupos já estabelecidos.
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A estratégia murdochiana consistia em criar um clima de guerra, instaurar um macarthismo feroz debaixo do qual caberiam todas as jogadas comerciais necessárias para assegurar a sobrevivência dos grupos de mídia em novos mercados.
Dentro dessa estratégia, em 2007 explodiu uma guerra hoje em dia pouco lembrada, em torno dos livros didáticos e dos cursos apostilados. Considerou-se que o mercado de livros didáticos poderia ser uma das novas frentes dos grupos de mídia, seguindo a picada aberta pelo grupo espanhol Santillana, controlador do jornal El Pais.
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A Abril entrou no mercado de livros didáticos e cursos apostilados através de uma nova divisão, na qual incorporou as editoras Ática e Scipione, que havia adquirido em sociedade com o grupo francês VIvendi; e a Globo tentou uma sociedade com a UNO, braço do Santillana.
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Recorreu-se ao macarthismo para afastar competidores.
No caso da Veja, a uma parceria com um site de direita, criado para denunciar infiltração comunista no ensino. Com base no site, a revista publicou uma reportagem sensacionalista denunciando um competidor no mercado de cursos apostilados. Era matéria falsa, baseada em informação desmentida pelo próprio acusado, mas que não foi respeitada na reportagem publicada.
Coube à blogosfera desarmar a armação, denunciando a informação falsa e divulgando trechos de livros de história da Ática e da Scipione com as mesmas análises condenadas no material concorrente.
Desmascarada, a revista acabou publicando um “Erramos”, episódio raro em sua história.
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A segunda frente foi conduzida por Ali Kamel, já elevado a diretor da Globo.
Em 18 de setembro de 2007 publicou coluna no jornal O Globo, prontamente reproduzida no Estadão, denunciando o conteúdo subversivo de um campeão de vendas, o coleção “Nova História Crítica”, de uma editora nacional. As denúncias foram repercutidas nos demais veículos da Globo, da revista Época ao Jornal Nacional.
Kamel denunciava o livro por suposta apologia a Mao Tse-tung selecionando a parte que enaltecia Mao:
“Foi um grande estadista e comandante militar. Escreveu livros sobre política, filosofia e economia. Praticou esportes até a velhice. Amou inúmeras mulheres e por elas foi correspondido. Para muitos chineses, Mao é ainda um grande herói. Mas para os chineses anticomunistas, não passou de um ditador.”
E sonegando a parte que o criticava:
“Como governante, agiu de forma parecida com Stálin, perseguindo os opositores e utilizando recursos de propaganda para criar a imagem oficial de que era infalível.”
Sobre a revolução cultural chinesa, Kamel mencionava o trecho:
“Foi uma experiência socialista muito original. As novas propostas eram discutidas animadamente. Grandes cartazes murais, os dazibaos, abriam espaço para o povo manifestar seus pensamentos e suas críticas”.
E escondia a crítica:
”O Grande Salto para a Frente tinha fracassado. O resultado foi uma terrível epidemia de fome que dizimou milhares de pessoas. (…) Mao (…) agiu de forma parecida com Stálin, perseguindo os opositores e utilizando recursos de propaganda para criar a imagem oficial de que era infalível.” (p. 191) ”Ouvir uma fita com rock ocidental podia levar alguém a freqüentar um campo de reeducação política. (…) Nas universidades, as vagas eram reservadas para os que demonstravam maior desempenho nas lutas políticas. (…) Antigos dirigentes eram arrancados do poder e humilhados por multidões de adolescentes que consideravam o fato de a pessoa ter 60 ou 70 anos ser suficiente para ela não ter nada a acrescentar ao país…”
Sobre a revolução russa, o mesmo procedimento:
“É claro que a população soviética não estava passando fome. O desenvolvimento econômico e a boa distribuição de renda garantiam o lar e o jantar para cada cidadão. Não existia inflação nem desemprego. Todo ensino era gratuito e muitos filhos de operários e camponeses conseguiam cursar as melhores faculdades. (…) Medicina gratuita, aluguel que custava o preço de três maços de cigarro, grandes cidades sem crianças abandonadas nem favelas…
E escondia as críticas:
”A URSS era uma ditadura. O Partido Comunista tomava todas as decisões importantes. As eleições eram apenas uma encenação (…). Quem criticasse o governo ia para a prisão. (…) Em vez da eficácia econômica havia mesmo era uma administração confusa e lenta. (…) Milhares e milhares de indivíduos foram enviados a campos de trabalho forçado na Sibéria, os terríveis Gulags. Muita gente foi torturada até a morte pelos guardas stalinistas…”.
No dia seguinte ao artigo de Kamel, o diário El Pais (dono da Santillana), publicou artigo repercutindo internacionalmente a denúncia e afirmando que “el libro de texto ensalza el comunismo y la revolución cultural china”.
No mesmo dia, o ex-Ministro Paulo Renato de Souza (em cuja gestão o livro passou a integrar as obras do MEC) publicou no site do PSDB a informação de que entraria no dia seguinte com representação na Procuradoria Geral da República para retirar a Nova Historia Crítica do mercado.
No seu site pessoal, a informação de que sua consultoria tinha entre seus clientes a Santillana.
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Conseguiram matar um campeão de vendas. Mas o contraponto da blogosfera produziu tal desgaste que a estratégia acabou abandonada, para alívio das editoras e dos autores concorrentes.
Restou o esperneio, o uso do poder da Globo para processar jornalistas que ousaram investir contra a estratégia traçada
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