RESENHA
DUSSEL, Enrique. 1492: El encubrimiento del otro hacia el origen del mito de la modernidad. La Paz: Plural editores; Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación – UMSA, 1994
Cídio Lopes de Almeida
Resumo
A obra de Enrique D. Dussel, um filósofo argentino, argumenta que a Modernidade, apesar de sua pretensão emancipadora, se baseia em um mito eurocêntrico que justifica a violência e a exploração. Dussel analisa como o “descobrimento” da América e a conquista do continente pelos europeus foram fundamentadas nesse mito, através do encobrimento do “outro” – os povos indígenas – e da projeção de uma “imagem e semelhança” europeia sobre eles. O autor explora diferentes aspectos da conquista, como o “descobrimento”, a “conquista espiritual” e a “colonização”, mostrando como cada etapa se justificava pelo mito da superioridade europeia e da necessidade de “civilizar” os povos considerados bárbaros. Dussel contrasta essa visão eurocêntrica com a cosmovisão de culturas indígenas como os guaranis e os astecas, evidenciando a riqueza e a complexidade de seus sistemas de conhecimento e de suas concepções de mundo. Ele propõe uma “trans-modernidade“, que supera o mito da Modernidade e busca a emancipação do “outro”, reconhecendo sua alteridade e a necessidade de construir uma nova forma de pensar e agir no mundo.
Resenha
A obra de Enrique Dussel, “1492: El encubrimiento del otro hacia el origen del mito de la modernidad”, busca desconstruir a narrativa tradicional da Modernidade, que a coloca como um projeto emancipador universal. Dussel argumenta que essa narrativa encobre um “mito” eurocêntrico que justifica a violência e a dominação sobre outras culturas.
Estrutura Conceitual:
O livro se estrutura em três partes principais:
Parte 1: Analisa a perspectiva europeia do “descobrimento” da América, mostrando como essa visão se baseia em um “ego” europeu que se constitui como centro do mundo e “encobre” a alteridade do outro. O autor examina o conceito de “eurocentrismo” e sua falácia desenvolvimentista, demonstrando como essa ideologia permeia o pensamento de figuras como Hegel e Kant.
Parte 2: Dussel propõe uma crítica ao “mito da Modernidade” a partir da perspectiva das vítimas da conquista, como os indígenas americanos. Ele explora diferentes posições teóricas em relação à inclusão do “Outro”, como a “Modernidade como emancipação” de Ginés de Sepúlveda, a “Modernização como utopia” de Gerónimo de Mendieta e a “crítica do mito da Modernidade” de Bartolomé de las Casas.
Parte 3: Dussel busca uma “inversão” da perspectiva eurocêntrica, adotando o ponto de vista do índio, do africano escravizado, do mestiço humilhado e de outros grupos marginalizados. Ele reconstrói a história a partir do Leste para o Oeste, desafiando a narrativa tradicional que coloca a Europa como centro da civilização. A obra examina a cosmovisão e a experiência de culturas como os guaranis e os astecas, revelando a riqueza e a complexidade de seus saberes e práticas.
Pontos Conceptuais Relevantes:
Encobrimento do Outro: A Modernidade europeia se construiu através da negação da alteridade do outro. Os povos colonizados foram “descobertos” e “encobertos” como objetos a serem dominados e explorados. Esse processo se deu não apenas na esfera material, mas também na esfera simbólica, através da imposição da cultura, religião e valores europeus.
Mito da Modernidade: A narrativa tradicional da Modernidade como um projeto emancipador e civilizador encobre um mito que justifica a violência e a dominação. Esse mito se baseia na ideia de que a cultura europeia é superior e que os povos colonizados se beneficiariam ao serem “civilizados” pelos europeus.
Inversão da Perspectiva: Dussel propõe uma mudança radical na forma como a história da Modernidade é contada. Ele argumenta que é necessário abandonar a perspectiva eurocêntrica e adotar o ponto de vista dos oprimidos, revelando a “outra cara” da Modernidade: a da exploração, da violência e da dominação.
Diálogo Intercultural: Para superar o “mito da Modernidade” é necessário promover um diálogo intercultural autêntico, baseado no respeito à alteridade e na busca por uma compreensão mútua. Esse diálogo exige a disposição de ouvir a “razão do Outro” e reconhecer a dignidade e a validade de diferentes culturas e saberes.
A obra de Dussel oferece uma crítica contundente à narrativa tradicional da Modernidade e propõe uma nova forma de entender a história a partir da perspectiva do “Outro”. Ao desconstruir o mito eurocêntrico e revelar a violência encoberta pela narrativa da “civilização”, Dussel nos convida a repensar o projeto da Modernidade e buscar alternativas mais justas e solidárias.
A Distinção entre “Invenção” e “Descobrimento” da América na Obra de Enrique Dussel
Enrique Dussel, traça uma distinção crucial entre os conceitos de “invenção” e “descobrimento” da América. Essa diferenciação é fundamental para a sua crítica à narrativa eurocêntrica da Modernidade, que obscurece a violência e a dominação inerentes ao processo de conquista e colonização.
Para o autor a “invenção” da América se refere à experiência de Cristóvão Colombo, que ao chegar às ilhas caribenhas em 1492, interpretou-as como parte da Ásia, atribuindo-lhes um “ser-asiático”. Colombo, imbuído da cosmovisão europeia da época, não concebia a possibilidade de um novo continente, buscando confirmar a todo custo a sua crença de ter chegado à Índia. Essa “invenção” do “ser-asiático” da América representou um “encobrimento” da alteridade do outro, que foi negado em sua singularidade e enquadrado em categorias preexistentes no imaginário europeu. O autor argumenta que essa experiência inicial moldou a percepção europeia da América, impedindo que o “índio” fosse reconhecido como um Outro em sua plenitude.
O “descobrimento“, por outro lado, é definido por Dussel como a tomada de consciência da existência de um novo continente, distinto da Ásia, o que exigiu uma ruptura com a cosmovisão europeia vigente. Esse processo se inicia com Amerigo Vespucci, que em sua expedição de 1501-1502, percebe a magnitude e a diferença da massa continental sul-americana, reconhecendo-a como uma “Quarta Parte da Terra”. Essa constatação, que se consolida com a publicação da obra Cosmographiae Introductio em 1507, marca o nascimento da Modernidade, que se constitui a partir da confrontação com a alteridade radical do Novo Mundo. No entanto, esse “descobrimento” não significou o reconhecimento do Outro em sua dignidade e diferença, mas sim a sua incorporação ao projeto de dominação europeu, que o transformou em objeto de conquista, colonização e “modernização”.
Em suma, a distinção entre “invenção” e “descobrimento” proposta por Dussel revela a complexidade do processo histórico que marcou o encontro entre a Europa e a América. A “invenção” representa o encobrimento do Outro através da imposição de categorias preconcebidas, enquanto o “descobrimento” marca a tomada de consciência da alteridade radical do Novo Mundo, mas que, paradoxalmente, se traduz em um projeto de dominação e “modernização”. Essa análise crítica nos convida a repensar a narrativa tradicional da Modernidade e a buscar uma compreensão mais justa e equilibrada do encontro entre diferentes culturas.
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