RESENHA
JABBOUR, Elias; GABRIELE, Alberto. China: O Socialismo do Século XXI. São Paulo: Boitempo, 2021.
Cídio Lopes de Almeida
[sem revisão por pares]
Resumo
A proposta do livro oferece uma análise da China como um exemplo singular de socialismo de mercado no século XXI, contrastando sua trajetória com outras experiências socialistas e capitalistas. Os autores exploram a formação econômico-social chinesa, destacando o papel central do Estado e do planejamento compatível com o mercado, além de examinar a evolução de seu setor produtivo e financeiro. Adicionalmente, o texto aborda conceitos marxistas revisitados, a lei do valor sob diferentes modos de produção e a relevância da cooperação e do comportamento humano na ciência econômica, buscando fundamentos teóricos para compreender a complexidade do modelo chinês e suas implicações globais. A obra também compara brevemente a experiência vietnamita, laonense e cambojana ressaltando similaridades e diferenças em suas abordagens de desenvolvimento de orientação socialista. Em conclusão, é saliente que se trata de uma obra para ser estudada, não propriamente lida em uma única vez. Nosso esforço nessas anotações foi de estudo pessoal da obra.
Introdução
A introdução destaca o cruzamento de trajetórias intelectuais dos autores, resultando em uma parceria transatlântica com perspectivas políticas, ideológicas e intelectuais semelhantes. Apesar das diferentes gerações e formas de observar a realidade, ambos compartilham ideais comunistas e trabalham com o conceito de formação econômico-social. O livro busca demonstrar, de forma crítica, que a história está longe de acabar, contrapondo-se à ideia do “fim da história”. Os autores explicitam que trabalham com a hipótese de que a China e seu “socialismo de mercado” representam uma experiência socialista de outra tipologia. A escrita do livro ocorreu em Roma em 2019, sendo fruto de um trabalho conjunto de quase dois anos. Os autores ressaltam a importância da China como um campo inescapável para quem busca pensar além das teorias convencionais, propondo um desafio ao pensamento econômico neoclássico e uma reinterpretação de três conceitos basilares do marxismo: modo de produção, formação econômico-social e lei do valor. Os autores estão cientes dos debates que o livro suscitará e concluem reafirmando a confirmação de suas hipóteses diante da vitória chinesa contra a pandemia, reforçando que a história não acabou.
Parte I: Capitalismo e Socialismo como Modos de Produção
1. Introdução à Parte I
Esta seção introduz a primeira parte do livro, que desenvolve uma visão inovadora e heterodoxa da evolução global do capitalismo e do socialismo. Os autores estendem criticamente a estrutura interpretativa da teoria econômica clássica moderna e propõem uma reinterpretação do conceito de modo de produção à luz dos desenvolvimentos históricos do século XX e início do século XXI. Eles ilustram uma série de fatos importantes de diversos campos científicos, tradicionalmente distantes das ciências sociais e da economia política, argumentando que essas descobertas multidisciplinares questionam os microfundamentos da teoria econômica ortodoxa. Nesse contexto, o foco se volta para economias existentes e emergentes que diferem do modelo capitalista clássico.
2. A Base Científica da Economia Política do Século XXI
A apreciação recai sobre as descobertas científicas cruciais de campos como biologia evolucionária, psicologia e neurociência, e o surgimento da neuroeconomia, que, em conjunto, impactam a análise dos processos mentais e do comportamento humano. As principais descobertas fragilizam os fundamentos da teoria econômica ortodoxa. O capítulo brevemente analisa os avanços no debate sobre a natureza humana e discute as implicações desses avanços para a antropologia econômica, especialmente a crítica ao paradigma do homo economicus e à dialética cooperação vs. competição. A coexistência de comportamentos individualistas e cooperativos é interpretada com os avanços na economia comportamental e neurociência. Estudos como o Ultimatum Game (UG) e o Jogo do Ditador (JD) demonstram que as escolhas dos jogadores tendem a considerar o bem-estar dos outros, desviando-se do equilíbrio de Nash baseado na racionalidade individual. A economia comportamental, integrando ideias da psicologia, tornou-se proeminente, e a principal lição é a desconstrução do caráter fictício do homo economicus. A pesquisa interdisciplinar melhora a compreensão da tomada de decisões sociais, como o impacto da troca social no sistema de recompensas do cérebro e a influência de fatores afetivos. Estudos com ressonância magnética “desmascaram o mito de que somos maximizadores de dinheiro por utilidade racional”. A difusão da racionalidade é limitada, e os seres humanos tendem a agir como indivíduos confiáveis, incorporados a normas sociais, indicando a necessidade de uma alternativa de microfundação ao homo economicus. Uma ampla revisão da pesquisa sobre o homo economicus argumenta que chegou a hora de reavaliar sua utilidade. Lentamente, a comunidade de ciências sociais percebe que as microfundações do homo economicus não são mais sustentáveis como baluarte ideológico do capitalismo liberal no século XXI. A atribuição do Prêmio Nobel de Economia a Robert Shiller (por corroborar a instabilidade dos mercados devido ao “animal spirit”) e Richard Thaler (pela crítica ao homo economicus) é um barômetro dessa tendência. Apesar da complexidade da mente e do debate sobre a unidade da personalidade, o livro adota uma visão mais conservadora, abordando contradições internas como conflitos de valores inerentes a um eu unitário. As descobertas interdisciplinares apoiam a visão da economia evolucionária, cuja obra fundamental de Richard Nelson e Sidney Winter abalou a ortodoxia neoclássica.
3. Modos de Produção e Formações Econômico-Sociais
Aqui define e esclarece a concepção específica do termo “modo de produção” utilizada no livro. A categoria é aplicada em um alto nível de abstração, como um sistema de regras e leis internamente consistentes de autopreservação e movimento, compatível com a teoria de sistemas. O modo de produção, como muitos conceitos de Marx, pode ser entendido de diversas maneiras, dependendo do nível de abstração. Sua denotação universal identifica a série de relações sociais de produção e troca articuladas, sustentáveis e consistentes existentes em um determinado período e lugar.
4. Trabalho e Valor
O capítulo discute os conceitos de trabalho produtivo e improdutivo, pertencentes à tradição clássica e marxiana. A premissa geral é que todo valor econômico nas sociedades humanas é, em última instância, gerado pelo trabalho. No entanto, isso não implica que o valor social global seja sempre refletido nos preços relativos. O livro esclarece sua acepção específica dos termos trabalho e valor. Trabalho social inclui as atividades de empreendedores e gerentes, sem atribuir-lhes qualidades sobrenaturais, mas reconhecendo seu papel central no sistema capitalista. O conceito de trabalho é sintetizado como qualquer atividade produtiva de um determinado tipo que visa um determinado objetivo. Todas as formas de trabalho merecem respeito ético, mas existe uma distinção funcional entre trabalho produtivo (gerador de valor) e improdutivo em sistemas focados na acumulação de excedentes. A distinção entre atividades produtivas e improdutivas é importante em Marx e outros clássicos, mas sua definição tem variado. Marx no século XIX considerava apenas a produção material como produtiva. Sob o capitalismo, relações sociais desiguais levam os trabalhadores a vender sua força de trabalho aos capitalistas, submetendo-se ao seu controle no processo de produção de mercadorias, caracterizando a subsunção do trabalho ao capital. Os economistas clássicos elaboraram suas versões da lei do valor para analisar a formação de preços, baseando-se no trabalho. A abordagem clássica da lei do valor assumiu um princípio de conservação do valor durante a produção, mas não como um princípio ontológico perpétuo, e sim como uma suposição de trabalho a ser verificada. A utilização da força de trabalho é o próprio trabalho, criando valor de uso e valor. O decisivo é o valor de uso específico da mercadoria, sua capacidade de gerar mais valor do que possui. A distinção entre trabalho e força de trabalho implica que o princípio da conservação do valor não se aplica mais, pois o valor é gerado no processo de produção sob o domínio do capital. Uma contribuição importante para essa discussão é a obra de Anwar Shaikh, que atualiza a abordagem clássica e introduz uma interpretação crítica da competição e do equilíbrio. Shaikh defende a noção clássica de equilíbrio como um processo gravitacional e identifica a “competição real” como o principal motor da acumulação capitalista. Ele vê a diferença entre preços diretos e monetários como resultado de uma transferência de valor entre o “circuito de capital” e o “circuito de receita”.
5. Concorrência Real, Questões Pendentes e as Principais Proposições da Abordagem do Excedente
Este capítulo discute a lógica e os fundamentos empíricos da abordagem do excedente da teoria clássica moderna, reconhecendo questões teóricas ainda não resolvidas. Uma questão central é se a teoria do valor-trabalho de Marx pode ser mantida em sua totalidade para prever a formação dos preços de produção no capitalismo. Outra questão é se a teoria do valor-trabalho deve ser aceita apenas em um contexto interpretativo mais limitado, adotando uma postura filosófica humanística e antifetichista que reconhece o trabalho como a única fonte de valor real, enquanto se aceita que qualquer mercadoria que entra na formação do preço dos bens salariais desempenha um papel semelhante. O capítulo também aborda a perspectiva de Piero Sraffa, questionando se a exploração deve ser identificada estritamente com a apreensão do excedente de trabalho, sugerindo que a captura privada do excedente pode decorrer da relação desigual na reprodução dos meios de subsistência, gerada pela propriedade privada dos meios de produção. O capítulo apresenta um balanço dos principais resultados desse debate, visando um “mínimo denominador comum” da moderna abordagem do excedente. Em suma, defende-se que a lei do valor e a abordagem do excedente são ferramentas analíticas legitimadas pela ciência econômica do século XX e XXI, essenciais para entender as economias contemporâneas, mas a lei do valor não deve ser identificada estritamente com a concepção de Marx nem como um algoritmo formal para calcular a correspondência entre trabalho e preços. As proposições centrais da abordagem do excedente são resumidas: o capitalismo é um sistema baseado em classes (burguesia proprietária e classe trabalhadora não proprietária); os ricos têm diversos métodos de sustento, enquanto os trabalhadores dependem da venda de sua força de trabalho; a burguesia domina as relações de produção e troca, estabelecendo uma relação desigual com a classe trabalhadora e capturando uma parcela desproporcional do produto socialmente gerado (o excedente). A lei do valor, por ser de mercado, atribui o valor de troca de cada mercadoria a cada insumo de trabalho e não trabalho necessário à sua produção, de acordo com o seu preço. O salário é o preço da força de trabalho, subordinado ao comando dos capitalistas. O capítulo conclui com uma definição sintética da lei do valor, consistente com o núcleo da abordagem do excedente, essencialmente operacional e voltada para o estudo do socialismo. A definição busca um conteúdo mínimo e menos controverso, um denominador comum para os cientistas sociais que adotam a abordagem do excedente.
6 Capitalismo Real, Socialismo Real e a Lei do Valor
As controvérsias sobre a operacionalidade da lei do valor sob o socialismo, um debate que se desenvolve desde o século XIX. A experiência histórica de diversos países que iniciaram o caminho socialista em diferentes níveis de desenvolvimento demonstra que a vigência da lei do valor é geralmente independente da estrutura dos direitos de propriedade, constituindo uma característica comum do capitalismo e do socialismo. A distância entre o horizonte empresarial, a capacidade de planificação e o tipo de poder político praticado pelo socialismo de mercado na China torna essa experiência única e muito distante de qualquer “capitalismo de Estado”. O capítulo faz referência à Crítica do Programa de Gotha de Marx e à visão de Lênin em O Estado e a Revolução sobre a sociedade comunista saindo do capitalismo, trazendo consigo marcas econômicas, morais e espirituais herdadas. Nesse contexto, o produtor individual recebe de volta da sociedade a mesma quantidade de trabalho que forneceu, feitas as devidas deduções para necessidades coletivas, fundos para incapacitados e custos de administração. O planejamento desempenha um papel macroeconômico e estratégico essencial no socialismo, mas não está em posição de superar a lei do valor. Exemplos como Cuba demonstram que tentativas equivocadas de planejamento geram distorções de preços e ineficiência, evidenciando a operacionalidade da lei do valor. O capítulo propõe quatro proposições sobre capitalismo e socialismo que fundamentarão os argumentos seguintes.
A vigência da lei do valor é em geral independente da estrutura dos direitos de propriedade e, portanto, constitui uma característica comum do capitalismo e do socialismo. A experiência histórica de muitos países europeus, asiáticos e latino-americanos que iniciaram seu caminho socialista em diferentes níveis de desenvolvimento demonstra isso.
A distinção sistêmica entre os macrossetores produtivos e improdutivos – e, com isso, a necessidade de gerar excedentes suficientes no primeiro para financiar o funcionamento do último – também é uma característica comum do socialismo e do capitalismo.
Mesmo que o capitalismo caminhe em direção ao socialismo e o excedente não seja mais capturado de maneira privada, as proporções sistêmicas intersetoriais e intrassetoriais e a estrutura de preços relativos devem ser mantidas sob o socialismo. Essa restrição se aplica a qualquer tipo de socialismo, seja planejado centralmente, seja orientado para o mercado. No caso do socialismo de mercado, a manutenção dessas proporções no macrossetor produtivo deve ser essencialmente garantida pela estrutura de preços relativos.
Há uma grande diferença entre capitalismo e socialismo em relação ao comando e ao destino do excedente. No socialismo, em princípio, a parcela do excedente direcionada ao consumo de luxo é eliminada, podendo ser destinada a investimentos sociais ou para o desenvolvimento.
7 O Metamodo de Produção
O capítulo reinterpreta o conceito de modo de produção, argumentando que, em um nível superior de análise, existe um metamodo de produção, uma estrutura abstrata de longa duração histórica. Este metamodo é caracterizado por: um modo de produção dominante em nível global e a coexistência de dois ou mais modos de produção em alguns países, com desenvolvimento desigual. O socialismo de mercado é concebido como uma formação econômico-social que se desenvolve dentro dos limites impostos pelo metamodo de produção. Só é possível conceber racionalmente o socialismo contemporâneo a partir dessa estrutura e das restrições que ela impõe. O capítulo discute a relação entre o macrossetor produtivo e não produtivo dentro desse contexto, preferindo uma postura menos definitiva e deixando questões para resolução histórica. O conceito de metamodo de produção é usado para dar outro sentido a insights de Marx e Lênin, adaptando-os a sociedades socialistas em estágio inicial como a chinesa. Um ponto fundamental é a necessidade de formação de policy space, relacionada às capacidades estatais, como a soberania monetária e o controle centralizado sobre o sistema financeiro, negando a privatização e liberalização arbitrária dos serviços financeiros. A experiência chinesa se destaca por elevar a capacidade de intervenção estatal na economia através de seus, Grandes Conglomerados Empresariais Estatais (GCEE) evitando a privatização observada em outras experiências capitalistas desenvolvimentistas. Apesar das interações de mercado, a articulação holística das relações sociais de produção e troca sob o socialismo de mercado é profundamente diferente da do capitalismo.
8 O Socialismo sob o Metamodo de Produção
Este capítulo explora as características que o planejamento deve incorporar para ser propício ao desenvolvimento socialista eficaz e sustentável. Ele retoma descobertas científicas recentes da biologia, ciência evolucionária e neurociência, e seu impacto nas ciências sociais, especialmente a transferência para a própria sociedade do papel de condutor final, antes atribuído à racionalidade individual. O planejamento, uma atividade científica realizada por profissionais em instituições especializadas, aproveitando o conhecimento coletivo e o Big Data, é apresentado como o âmbito onde se pode buscar maximizar racionalmente o bem-estar social. O capítulo também revisita princípios básicos do pensamento marxista e lições históricas do século XX e XXI, que exigem uma revisão da natureza de categorias como modo de produção, formação econômico-social e lei do valor. Indicar “leis” de desenvolvimento econômico de orientação socialista é considerado um projeto em andamento, dada a falta de uma síntese detalhada das regularidades nos processos históricos da China, Vietnã e outras formações socialistas. A economia política desenvolvida no livro não permite uma análise aprofundada das reformas implementadas nesses países, focando principalmente na China como a formação econômico-social mais avançada. Algumas indicações para planejadores em economias de orientação socialista incluem: basear ações em informações que vão além dos sinais de mercado e possuir um conjunto adequado de ferramentas políticas e administrativas. Os planejadores devem considerar as limitações das capacidades de planejamento dos Estados nacionais e evitar que a estrutura doméstica de preços se afaste excessivamente dos preços internacionais. A alocação de recursos não deve ser um subproduto mecânico da lei do valor, mas os planejadores devem evitar contestá-la excessivamente. O socialismo é apresentado como um projeto desenvolvimentista, alicerçado em um Estado com capacidade política e institucional de gerar demanda e utilizar seus bancos para grandes empreendimentos. Será necessário um enfoque que clareie a estratégia de desenvolvimento e as instituições que moldam a mudança estrutural da economia chinesa, buscando ressignificar o socialismo como projeto desenvolvimentista. Esse processo envolve a capacidade de romper o círculo vicioso das leis das vantagens comparativas por meio de projetos nacionais que formem margem de manobra para políticas expansionistas visando o catching-up [recuperar o atraso] com países capitalistas centrais, com a estratégia chinesa sendo demonstrada. A abordagem teórica escolhida é a síntese novo-desenvolvimentista, que reconhece a importância de uma taxa de câmbio competitiva e do financiamento interno dos investimentos. O catching-up chinês assume a forma de grandes planos como o “Made in China 2025” e o desenvolvimento de tecnologias como 5G e IA, ensejando novas formas de planificação econômica (“nova economia do projetamento“) que distinguem o socialismo de mercado chinês de formações capitalistas desenvolvimentistas.
Parte II
A China como a primeira experiência de uma nova classe de formações econômico-sociais: a construção de seu macrossetor produtivo
9. Introdução à Parte II
Este capítulo serve como uma transição da discussão teórica da Parte I para a análise concreta da experiência chinesa. O objetivo é demonstrar o processo de constituição do macrossetor produtivo na China e seus desdobramentos em políticas industriais, macroeconômicas e de inovação tecnológica. Os autores operacionalizam os conceitos apresentados anteriormente para explicar a formação do macrossetor produtivo em uma formação econômico-social orientada para o socialismo. Eles identificam a formação de um “núcleo duro” na economia chinesa, expresso em diversas formas públicas e não capitalistas de organização industrial e financeira. A característica central é o desenvolvimento de um grande setor público, capaz de gerar efeitos de encadeamento em toda a economia. A análise se concentrará na estratégia de desenvolvimento e nas instituições que moldam a mudança estrutural da economia chinesa e do socialismo de mercado. A argumentação pretende ressignificar o socialismo como projeto desenvolvimentista.
10. Dinâmica Macroeconômica: Fundamentos da Estratégia Novo-Desenvolvimentista da China:
O capítulo começa expondo a tendência de sobrevalorização da taxa de câmbio que países bem-sucedidos em catching-up econômico tendem a enfrentar. Essa tendência é atribuída a dois fatores principais: a “doença holandesa”, que é a apreciação cambial causada pelo influxo de capital externo estimulado pelo crescimento com poupança externa, e o ambiente que desfavorece a industrialização devido à preponderância da renda de exportações primárias.
Observações sobre a Estratégia de Desenvolvimento Chinês Pós-1978″ descreve o crescimento econômico chinês entre 1980 e 2019 como excepcional, com uma média de crescimento do PIB real de 9,2% ao ano. Por mais de quatro décadas, o país cresceu consistentemente acima da média internacional. O PIB per capita (em Paridade de Poder de Compra) aumentou 36 vezes entre 1980 e 2018, passando de US$ 250,00 para US$ 8.827,00. Esse processo foi acompanhado por uma elevada taxa de investimento, com uma média de 36,9% do PIB entre 1982 e 2011 e acima de 40% a partir de 2004.
Desde 2013, a China se tornou o país com o maior volume de comércio exterior do mundo. Também se transformou em um grande exportador de capitais através de Investimento Direto no Exterior (IDE). Inicialmente, o IDE na China (até 1991) era voltado para os setores exportadores, mas posteriormente uma parcela crescente foi direcionada à construção e ampliação da capacidade produtiva para o mercado interno. É crucial notar que a China não cresceu com base em endividamento externo e evitou o erro de tentar crescer com poupança externa, o que impediu a apreciação da taxa de câmbio e a perda de competitividade das empresas nacionais. A China apresentou déficit em conta corrente em apenas três anos entre 1980 e 2018.
O subtópico Desenvolvimento das Capacidades Estatais argumenta que a dinâmica macroeconômica demonstra o uso intenso de mecanismos de controle e coordenação estatais, característicos de Estados desenvolvimentistas asiáticos como Japão e Coreia do Sul. Essa nova classe de formações econômico-sociais inaugurada pela China é vista como uma variante socialista de Estado desenvolvimentista de tipo asiático. As características incluem crescimento econômico acelerado baseado em altas taxas de investimento, refletindo-se em exportações com maior valor agregado, formação de grandes reservas cambiais e controle sobre o fluxo externo de capitais, taxa de câmbio e juros.
Desde a década de 1990, houve dois grandes movimentos de intervenção estatal na economia chinesa. O primeiro foi o lançamento do Programa de Desenvolvimento do Grande Oeste em 1999, a maior transferência territorial de renda do mundo moderno, visando unificar o território econômico e responder à crise financeira asiática. A taxa de câmbio e o superávit em conta corrente são apontados como fundamentais para o desenvolvimento chinês. Houve uma tendência contínua de desvalorização do yuan desde 1981, com períodos de taxa fixa e regimes semi-fixos, e intervenções controladas pelo Banco Popular da China para depreciar a moeda. Desde 1990, a China apresentou superávits expressivos em transações correntes. O ciclo de inovação institucional dos anos 1990 impulsionou um crescimento baseado na “combinação de duas dinâmicas”: export-led e investment-led, com a taxa de investimento como base da acumulação.
O catching-up chinês atualmente se manifesta em grandes planos como o Made in China 2025, que visam o desenvolvimento de tecnologias como 5G e IA. A incorporação dessas tecnologias leva ao surgimento de novas formas de planificação econômica, denominadas “nova economia do projetamento”, que distinguem o socialismo de mercado chinês de formações capitalistas desenvolvimentistas. A China estabeleceu um sistema de financiamento voltado para a atividade produtiva e a transformação estrutural da economia, com um forte crescimento do crédito doméstico para as empresas em relação ao PIB. Este sistema financeiro tornou-se parte fundamental do “núcleo duro” da nova formação econômico-social.
11 As Reformas a Partir da Agricultura e o Surgimento das Empresas não Capitalistas Orientadas para o Mercado
Este capítulo aborda a dinâmica da base econômica chinesa sob a perspectiva da evolução da estrutura de propriedade, partindo da dinâmica de acumulação. As reformas iniciadas na agricultura em 1978, com a institucionalização dos contratos de responsabilidade entre o Estado e as famílias camponesas, permitiram a venda de excedentes agrícolas no mercado. Surgiram as “Empresas não Capitalistas Orientadas para o Mercado” (Encom), como a pequena produção mercantil e as Township and Village Enterprises (TVEs). O capítulo discute a persistência da “questão agrária”, o papel do sistema hukou na planificação da transição populacional e a evolução das formas de propriedade na agricultura. Com destaco papel das cooperativas rurais e de artesões, atingindo cifras de 200milhoe de cooperados.
12 Os “Grandes Conglomerados Empresariais Estatais” (GCEE): A Vanguarda Produtiva da Nova Formação Econômico-Social
Este capítulo se concentra na formação e no papel dos Grandes Conglomerados Empresariais Estatais (GCEE) como a principal força produtiva da nova formação econômico-social. O livro descreve o processo de reestruturação das empresas estatais na década de 1990, com o lema “manter as grandes e deixar as pequenas”. A criação da Comissão de Supervisão e Administração de Ativos do Estado (Sasac) é destacada como uma inovação institucional chave. O capítulo argumenta que a China não está adotando o capitalismo, e as características capitalistas superficiais escondem os fundamentos do “socialismo de mercado com características chinesas”. O Estado chinês é caracterizado como um “Estado empreendedor” com um alto grau de socialização do investimento.
13. O Sistema Financeiro Nacional e a Construção da Soberania Monetária Chinesa: Embora o título do capítulo seja mencionado na tabela de conteúdo, não há excertos específicos que detalhem o conteúdo deste capítulo. No entanto, a introdução da Parte II menciona a análise do sistema financeiro como parte da estratégia de desenvolvimento e das instituições chinesas. O livro também aborda a soberania monetária chinesa como uma “capacidade estatal” fundamental. A restrição ao livre fluxo de capitais é mencionada como um pilar fundamental que isola o país da especulação financeira internacional.
14 A Dinâmica da Nova Formação Econômico-Social: Este capítulo discute as “estruturas de mediação” que distinguem a nova formação econômico-social surgida na China, com foco na Comissão de Supervisão e Administração de Ativos do Estado (Sasac) como a principal operadora do núcleo duro dessa formação. Aborda a articulação dos diferentes modos de produção ao longo das reformas através de inovações institucionais. A Sasac é apresentada como responsável por gerir grandes conglomerados estatais em diversos setores. O governo central tem buscado reenquadrar as empresas
15 A Sasac como Manager do Socialismo de Mercado: Este capítulo aprofunda o papel da Sasac como o “manager da economia socialista de mercado”. A Sasac é vista como uma instituição-chave construída ao longo dos últimos quarenta anos na China, responsável pela supervisão e administração dos ativos do Estado nos grandes conglomerados empresariais estatais. A separação das empresas estatais em diferentes níveis (grupos industriais, de investimentos e operacionais) reflete uma forma de distanciar a Sasac das atividades de negócios diretas, focando cada vez mais na administração dos ativos. O capítulo ressalta a importância do controle estatal sobre os GCEE, especialmente no contexto da guerra comercial e tecnológica, para o catching-up tecnológico.
16 A “Nova Economia do Projetamento” como um Novo Estágio de Desenvolvimento do Socialismo de Mercado na China: Este capítulo explora a hipótese da “Nova Economia do Projetamento” como um estágio superior de desenvolvimento do socialismo de mercado na China. Inspirados na obra de Ignácio Rangel, os autores analisam essa nova etapa da planificação econômica, voltada para a produção de riquezas e utilidades para o bem-estar geral, mantendo o pleno emprego e buscando o estado da arte em desenvolvimento técnico. A consolidação dessa “nova economia do projetamento” é vista como uma tendência futura. O capítulo discute os marcos de análise para compreender o renascimento da economia do projetamento na China, incluindo a recomposição do setor estatal, a evolução das políticas industriais e as transformações na planificação econômica. A planificação compatível com o mercado é vista como crucial, especialmente ao avançar para essa nova economia sob as restrições de um mundo ainda dominado pelo capitalismo mercantil.
Compartilhe isso:
- Clique para compartilhar no WhatsApp(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Twitter(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Facebook(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Reddit(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no LinkedIn(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Pinterest(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Telegram(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Pocket(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Tumblr(abre em nova janela)
Relacionado
Descubra mais sobre AMF3
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.