Vamos falar de terapia

Vamos falar de terapia

LOPES DE ALMEIDA,C. Vamos falar de terapia? AMF3: São Paulo. 2021. Acessível em:https://amf3.com.br/vamos-falar-de-terapia/ 

 

VAMOS FALAR DE TERAPIA?

Como explicar para alguém um assunto qualquer? E se esse assunto for sobre terapia?

Por algum motivo a palavra terapia quando é jogada na conversa entre amigos, logo faz povoar o horizonte com a ideia de que é um problema. E na sequência, alguém com problemas. Uma pessoa problemática.

Porém, em outro exemplo, se falarmos em “tomar banho”, poucos irão pensar que somos “impuros” e por isso problemáticos. O fato é que temos uma cultura geral que não vê com “bons olhos” a terapia. E ainda vão além. Sem pensar muito vão logo lhe dando conselhos no sentido de retirar do horizonte a ideia da terapia.

Curiosamente é proposta na maioria dos casos uma saída para religião, como substitutivo para a terapia. E aqueles mais religiosos, sobretudo entre os ditos pentecostais e neopentecostais, utilizam expressões como “repreende isso em nome de Deus”.

Quando tomamos essa cena muito provável no cotidiano de milhares de pessoas, notamos que ela não é espontânea. Se começamos a fazer um exame mais detalhado, sobretudo a partir de alguns campos científicos (antropologia, sociologia, psicologia, filosofia, etc.), logo veremos que é um “hábito cultural”. E algum momento da nossa história mais recente podemos identificar que na verdade as religiões ocuparam o lugar de “poder” falar o que é a pessoa humana.

Quando falamos mais recente estamos pensando em toda história da humanidade. E para nos situarmos melhor, em termos de dados científicos, temos informações dos últimos 45mil anos. Nesse horizonte é que podemos dizer “recente” para algo que começou lá pela Idade Média, ou a uns 800 anos. E será nesse período histórico até nossos dias que podemos notar muito bem porque essa postura das pessoas encontra-se tão generalizada. 

No nosso caso de Brasil ou dos países “ocidentais” a Igreja “dominante” de certo modo ocupou o lugar de dizer o que é “nós” enquanto pessoas. Num olhar otimista, podemos ver que houve alguns avanços, como a difusão mais ampla da “dignidade” da pessoa. Ou seja, temos um valor enquanto viventes. Não podemos ser tratados como uma pedra. Sendo um pouco realista, podemos notar que ao dizer que é a pessoa humana, essa mesma Instituição apoderou desse assunto. E apenas seu jeito de ver “as coisas” prevaleceu.

É possível verificar coisas boas nessa Instituição, mas nos últimos 400anos a cultura humana rompeu fortemente com ela. O conhecimento chamado científico procurou conhecer as coisas de um outro jeito e não aceitou mais uma explicação “teológica” para o que é uma pessoa humana.

E será nesse novo cenário que podemos pensar em um novo mundo sobre o que é ser uma pessoa.

Aqui apresentei um resumo, mas esse processo de romper com o “senso comum” para irmos mais fundo sobre vários assuntos é um movimento importante. Se ficarmos nesse jeito cotidiano não conseguimos ir longe. Ficaremos rodando modelos que de algum modo sabemos que não funcionam para nossos dias.

Portanto, romper com a vida comum é a primeira chave. E qual é a chave? Existem várias formas, podemos citar um dado tipo de “literatura”, filmes, teatro, filosofia e, o mais interessante, a terapia. E porque não, a mistura de todos esses.

 

A ALMA HUMANA

Temos documentado há aproximadamente 2400 uma obra que trata sobre o assunto de um ponto de vista da Filosofia. Precisamente a obra de Aristóteles. Existem outros textos na história da humanidade, mas nesse caso específico, o livro De Anima de Aristóteles manteve-se ligado ao que ainda hoje as Igrejas Cristãs definem como alma humana.

Esse tema é importante, pois naquela conversa com “populares” no geral eles evocam justamente esse modelo de pensamento meio modificado ou simplificado para logo nos sugerir isso ou aquilo.

Num resumo, daqueles que juntamos 100 páginas em uma folha, a alma é uma unidade simples e que é por assim dizer o “eu”. Essa alma está ligada a Deus; e parece que veio de lá e vai voltar para junto desse Deus.

Qualquer outra ideia sobre nosso “eu” já complica a conversa. E será algo tão novo para as pessoas que elas “bugam”, suspendem o pensamento. E não consegue pensar em mais nada. E nesse vazio soltam as frases “prontas” das Igrejas. “Só Jesus na causa”, “tenha fé”, “pegue com Deus meu fii”, etc.

O fato é que existe muito mais coisas sobre o que seja “nós” como pessoas humanas. E podemos começar a pensar algumas coisas simples.

Algo que num exercício simples já nos damos conta. Se lhe convidar a pensar no animal boi. De certo modo você consegue fazer essa operação. E um boi não irá aparece aí na sua frente. Essa capacidade da nossa “cabeça” nos damos o nome de representação.

A capacidade de criar na nossa cabeça uma espécie de cópia das coisas. Aí está nossa maior capacidade e junto e misturado alguns problemas.

A terapia não resolver esse jeito de funcionar; uma espécie de concerto das ideias. Nada disso, o hábito terapêutico é um exercício e ele não é para concertar nada. Não tem nada para ser concertado.

A forma mais apropriada é dizer que a terapia nos ajuda a notar esses processos de modo consciente. E saber que algumas coisas conseguiremos optar conscientemente em ser desse e não daquele jeito; mas que terão outras que não estarão sobre meu “controle”.

E tem muito assunto para ser tratado, mas isso deve ser com uma certa paciência. A pressa produz uma sensação de que não há nada mais a ser descoberto. Fica aquela sensação de angústia e nada mais. Outro detalhe importante é que esse exercício precisa sempre de outro, seja na forma de um(a) terapeuta ou um grupo terapêutico.

E porque esse outro? Como disse acima sobre representação, ou seja, essa nossa habilidade incrível que é “representar” algo na nossa cabeça, ocorre que por essa habilidade meio que produzimos juntos dela alguns pontos “cegos”.

Para explicar ainda melhor essa ideia, lanço mãos de um exemplo. Na cultura mineira, lembro-me bem que algumas pessoas sabiam olhar as horas pelo sol. Contudo, ainda criança, a primeira coisa era olhar para o sol, o que não era possível ver mais nada. Logo, aprendemos que o segredo era olhar a sombra do sol e nunca para ele. E com paciência decorávamos o tamanho da sombra; o lado da sombra; tudo indireto.

A razão produz em nossa mente algo parecido. Não conseguimos ver nosso próprio olho; e para isso inventamos o espelho ou usamos a água para nos ver. O mesmo se aplica quando desejamos nos conhecer melhor e a outra pessoa pode ser espelho. Como implica em ver coisas muito específicas, podemos dizer que “esse espelho” precisa ser especial; para poder refletir tudo que existe dentro de mim.

No caso da Religião, ela pode espelhar muitas coisas boas, mas por uma serie de fatores históricos, acaba não sendo a única em nossos dias. E o que certas experiências espelham, acabam sendo um “eu” que parece ser de outro mundo e não um “eu” real, vivendo a vida que todos nós estamos vivendo.

O(a) terapeuta é um espelho que se vale das ciências e da filosofia para jogar luzes nesses detalhes dentro de mim mesmo.

Bem-vindo, bem-vinda, vamos jogar luzes em si.

Mas o que é si? Sou o meu dedo? Ou sou uma “coisa” que parece estar em algum lugar que não sei?

 

O EU! O QUE É ISSO?

Quando ensinamos filosofia procuramos apresentar novas ideias aos alunos. Para isso ter um sucesso é importante que certas ideias anteriores sejam revisitadas ou pensadas de uma forma bem nova. Esse expediente é algo feito em consenso e não visa efetivamente gerar problemas, mas apenas uma exemplificação didática.

Proponho à pessoa lembrar de quando era mais nova e depois comprar com o presente. É claro que notamos duas coisas. Primeiro nos damos conta que houve uma espécie de mudança em si. Contudo, ainda que pareça contraditório, também notamos que algo permaneceu e “eu” sou aquela mesma pessoa.

Esse é um dos primeiros desafios da nossa vida, pois parece que a cada momento estamos tentando juntar partes de nós. Para que se forme apenas um de mim mesmo. E rapidamente temos que pensar mais, afinal “eu pareço mais com minha mãe ou pai?” ou avós?

Enfim, o processo de observar a si é isso. E rapidamente descobrimos que não só esses múltiplos “eus” estão em mim, mas tenho também um jeito de organizar tudo isso.

Para esse jeito vamos pensar que existem alguns padrões. Ainda que seja algo bem complexo dizer sobre padrões, porque é preciso saber que há sempre arranjos e nunca somos apenas um tipo.

Como nós nos organizamos é um fato relevante. Parece que em um dado momento damos um primeiro passo. Em termos racionais pensamos que isso ocorre em algum momento quando nascemos. Outros poderão até mesmo ri mais fundo, na própria formação.

O fato é que em algum momento fazemos um início. Para alguns filósofos seria o momento em que passamos para a capacidade linguística ou essa capacidade de “representar”. Seria o o momento fundante.

E nesse momento se fixaria alguns jeitos de “funcionamento”. O mais habitual seria o assim chamado “neurótico”. Seria uma forma específica de como uma força dentro de mim, que seria o meu “eu”, se organizaria. E a partir daí, como num edifício, “eu” fosse empilhado o resto da minha vida.

A terapia seria essa leitura desse jeito. E como eu posso interferir nesse “empilhamento” para o prédio não cair. E claro, como às vezes “desempilhar” coisas desse prédio. No caso esse “prédio” é o meu próprio eu.

Não é uma tarefa fácil, na qual você lendo um livro ou esse texto e tudo irá se resolver. A tarefa de cuidar de si é algo para ser feito um pouco todos os dias. E como dissemos acima, um outro é fundamental para tal. Seja a terapia individua ou de grupo ou alguma outra técnica coletiva para tal.

Durante muito tempo eu era reticente a ideia do outro, pois eu sempre via a figura do “guru” a defender isso. Só depois de muito tempo que me dei conta sobre os tais pontos cegos que a razão nos impõe. E dei conta que a razão tende a achar que dá conta de tudo.

Precisei, portanto, pensar de modo diferente. Sim, há os “gurus” que ocupam esse lugar e tiram proveitos. É o que mais vemos nos canais de televisão, radio e tudo o mais. Aquele tipo de “guru” prometendo o paraíso. Contudo, hoje consigo perceber que é possível encontrar grupos e pessoas éticas e será nesses lugares que se poderá realmente encontrar no outro o “espelho” que de fato me faz ver a mim mesmo.

Foi quando passei a notar que as “emoções”, que habitam dentro de nós, era uma chave fundamental para saber de mim mesmo. Como as emoções agem dentro de mim? O que elas fazem dentro de mim? Quais são as emoções? Como identificar essas emoções?

Em outro texto vou falar um pouco mais dessas forças que corriam à solta dentro de mim sem que eu notasse.  

 

 

 

 

 

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