Racismo epistemológico

Racismo epistemológico

Não bastasse o racismo direcionado a indivíduos de etnias
específicas, que no nosso caso contemporâneo recai majoritariamente sobre
negros e cores próximos a essa paleta, temos a instalação dessa idiotice do
gênero humano em  vários outros âmbitos e
que se somam ao racismo mais aviltante e tradicional do negro.
Trata-se do racismo epistemológico. Tese amplamente
sustentada se recorrermos a Nietzsche, Marcuse e Foucault. Autores que irão nos
fornecer argumentos diversos em prol da tese de que o saber é antes de mais
nada um reflexo ou projeção de poder.
Mas não só os autores acima, podemos ainda retomarmos as
críticas severas de Tobias Barreto, o intelectual pernambucano, que de várias
formas tentou sacudir os cérebros nacionais para o problema da absorção da
filosofia europeia.
Nesse sentido, como já comentei em outro post, parece-nos
normal falar de Filosofia Alemã, Filosofia Francesa, Pragmatismo
Norte-Americano. Aliás, se verificarmos junto às instituições oficiais como a
CAPES e CNPq, que tem acesso a dinheiro público para financiar pesquisadores,
lá iremos verificar, sem constrangimento, tais insígnias e os respectivos
bolsistas e professores se dedicando ao trabalho de comentá-los como sendo
filosofia.
Como disse recentemente Júlio Cabrera e Paulo Margutti , em
congresso promovido pelo argentino radicado em Brasília, após uma via de comentador
o que se é mesmo?  Apenas um comentador.
E que essa sina vem da pesada influência da escolástica sobre Portugal e, por
extensão, herdamos isto no Brasil. Ainda segundo Margutti, esse modelo de
comentar ganhou força a partir de influências francesas na qual Oswaldo Porchat
estabeleceu esse ritmo de trabalho como sendo filosofia na USP e sua na
famigerada Pós-graduação, onde se formam deuses e não acadêmicos humanos
propriamente.
Porchat, atual baluarte do neopirronismo parece-nos prova
cabal da ironia. Lembrando que o pirronismo e um tipo específico de ceticismo,
de que não há uma verdade. O que mais incomoda é saber se o fundador do
departamento de filosofia da Unicamp e da seita esotérica “Centro de Lógica e
Epistemologia” com seu neopirronismo está fazendo uma brincadeira com o
dinheiro público.  Espera-se, mas com
desconfiança, que seu ceticismo contribua com o pensamento nacional,
especialmente na desconstrução daquilo que ele mesmo foi promotor, o
estruturalismo francês.
A breve digressão nos dois parágrafos acima nos mostra que
a denúncia de Tobias Barreto ecoa: “O Brasil padece de uma espécie de prisão de
cérebro: tem peçonha no miolo. É preciso sujeitar-se à dolorosa operação da
crítica de si mesmo, do despego, do desdém, e até do asco de si mesmo, a fim de
conseguir uma cura radical.” (Tobias Barreto, “Sobre a filosofia do
inconsciente”, 1874) retirado do blog http://textosdefilosofiabrasileira.blogspot.com.br/
            No mundo racista o padrão é o
branco, mas não qualquer branco. Segundo um texto anônimo ele deve ser “branco,
ter 1,80 de altura, europeu, está entre 40 e 50 anos, economicamente ser
chefe”. Decorre daí que não só negro é parte do processo esclusão, mas
mulheres, baixos, gordos, não-europeus em geral. Qualquer discurso, incluindo o
científico, que sair da boca do modelo ideal de cidadão pleno será, sem
rodeios, tomado como verdade. Qualquer verdade proferida da boca dos demais
agentes do tecido social contemporânea irá “decaindo” em termos de verdade.
Assim, na ponta menos “verdadeira” estará o discurso de uma mulher negra
africana. E podemos verificar todos os dias esse tipo de prática racista sendo
cultuada por jornais de extrema-direita como Estadão e Folha ou qualquer
“produto” do conglomerado Globo e “comunicação”(descomunicação).
            Nesse sentido, hodiernamente, os
meios tradicionais de comunicação cumprem papel relevante em manter os meios
acadêmicos nas suas posições racistas. Em recente publicação no site da Folha
apareceu um famigerado rank, claro, vamos imitar os EUA. Nele aparecem
obviamente os locais privilegiados do racismo epistemológico. USP, UFMG e
UFRJ. 
            As universidade estaduais são o
exemplo mais visível do privilégio. O sistema de auto-gestão, necessário e
salutar para a vida académica, serviu historicamente para a garantia de
privilégios e não propriamente a promoção de um saber capaz de transformar o
Brasil. Seu principal papel tem sido a manutenção do Brasil desigual na medida
em que há a ideia idílica de que produção de ciência não é assistência social.
            Na argumentação de que pesquisar um
remédio de ponta pressupõe alguém capacitada e que não cabe ao pesquisador
saber se o remédio será distribuído na rede pública, já que sua descoberta e
construção é paga com dinheiro público, está a mais pura esquizofrenia e conveniência.
Não se perguntar pelas implicações sociais do fazer acadêmico só é possível
quando se quer dissimular, negar o mais radical vetor dessa equação: mas quem lhe paga para divagar nos campus é
o povo
. Mas dentro da cultura capitalista se instala ao lado dessa premissa
outra. A saber: o trabalho de pesquisa é longo e não está vinculado ao que dá
dinheiro imediatamente. Portanto, o cientista não é um mágico, que coloca a mão
e logo vira um achado científico capaz, vale lembrar, de ser vendido no mercado.
Portanto há muito suor e pouca inspiração. Logo, no modelo predatório do
capital, quem deve pagar essa conta é o Estado.
            Porém, verificou-se que apesar das
perdas, no computo geral, a Academia produz “coisas” vendáveis. Cabe, então a
iniciativa privada o assédio desse repositório de engenhocas comercializáveis. Na
cena temos o “classe média” pesquisador, com todo o seu egoísmo e naturalização
dos privilégios sociais. Ele também é muito raivoso, pois seu percurso é um
jogo de empurra, pois há poucos lugares para se manter os privilégios, ditos de
peito aberto como sedo direitos, e como forma essencial do capitalismo é
necessário promover a disputa. Uma vez que se conquista o lugar de pesquisador,
como forma natural dos desejos de consumo do “classe média”, inicia-se uma
ciranda de desejar outros benefícios na esfera das posses. Nesse momento é que
o assédio da indústria entra como uma luva e ao mesmo tempo impõe o bordão de
que ciência não é assistência social.       
            É muito conveniente para o cientista
se eximir de pensar as implicações sociais de seu saber, pois seu saber já está
comprometido, na promessa de obter as “benecis”
da grana no bolso e por isso ele deve estar 
bem na foto. Ele deve se preocupar apenas em se inserir nas melhores
parcerias fora do campus, isto é, aquela que irá lhe dá dinheiro para suas
viagens a metrópoles, para bons vinhos ou mesmo para continuar a implementar
seus produtos dentro do mercado, onde se paga muito mais, caso sua “engenhoca”
seja útil na praça capitalista.
            Posto essa lógica de assédio do
mundo privado comercial sobre a vida acadêmica, será natural verificarmos que
na Academia de Excelência, ou como eles adoram se ver: Ilha de excelência, não
se ensina. Ora, parece estranho, mas na academia de excelência espera-se que o
aluno tenha adquirido condições de pesquisa em qualquer lugar, menos ali. E no
caso das Universidades Estatais isto não constitui problema na medida que eles
conseguiram criar um lastro oriundo a escola privada na qual as famílias sabem
muito bem que é preciso correr atrás. Pagar professores particulares, etc. Os
tais critérios que se pressupõe do aluno ao entrar nesse ou naquele curso
superior na verdade consiste no fato de que ensinar é uma contradição barbara
do capitalismo. Não se ensina, pois cada um quer manter seu truque pessoal
escondido pois será este truque que irá lhe garantir boa vida.
            Na Europa, para ilustrar, os vinks
ou povos do mar, tinha fontes de bacalhau nunca reveladas, pois com isto tinham
como garantir sua fonte de renda. Assim é o professor que joga nas costas do
aluno a tarefa de aprendizado e ainda conta com uma cultura que apoia tal tese;
na medida em que a classe média tem recursos para contratar o professor
privado, remontando cabalmente as velhas práticas de preceptores de outras
épocas.
            Na medida em que o professor das
“ilhas” se eximem de ensinar, eles podem utilizar todo o tempo, pois se
pouparam da penosa e ingrata tarefa de “educa-dor”, para se promoverem no mais
clássico estilo do negócio capitalista, no qual o meu passe deve ser bem
divulgado, bem colocado, bem visto, bem citado, importante, pois com tudo isto
o pesquisador “classe média” ter realizado seu sonho: ter dinheiro e fama.
            Portanto na vida acadêmica o racismo
se dá na medida em que nesse local o que vale é o jogo do capitalismo que tem
como essência a exclusão e o acumulo do produto do trabalho alheio. A velha
mais valia se aplica na vida acadêmica de todas as formas. O sistema
capitalista produz a desigualdade não como acidente, mas como elemento essencial
do capitalismo. Se tirarmos a exploração, o jogo sujo, o acúmulo por alguns dos
frutos dos trabalhos de muitos, estaremos operando uma mudança no próprio
capitalismo como modelo “total” que rege as sociedades de hoje. A produção do
saber nas Academias segue esse mesmo modelo e, portanto, não faria sentido uma
ciência seguir outra caminho que não o lugar da exclusão. Jamais ecoaria aí a
ideia de promoção ou, considerado em blasfémia passível de queima na fogueira,
inclusão social. Há mesmo um prazer sádico em excluir.
            Mas o jogo é mais ardil. Par manter
o tecido social no todo, no qual a vida acadêmica é parte, não se contenta com
a ideia de apenas operar a exclusão enquanto um vestibular ou uma “seleção” de
pós-graduação. Não bastasse ser o cerne da sociedade capitalista a exclusão, a manutenção
do lugar privilegiado é uma engenhoca que toma muito tempo. As classes pobre e
pretas são mantidas no ostracismo epistémico a todo custo. Desde as questões da
forma como é disposta as cidades à doses cotidianas de manutenção do lugar
ignóbil da cultura feita “para” as massas. Veiculadas todos os dias através das
várias mídias.
A inscrição no lugar de excluído epistemológico se dá
através da TV e rádio. E vai além, através dos vários e milhares artefatos
visuais utilizados e disseminados a todos.
Enfim, romper com o racismo epistemológico passa necessariamente
pela construção de uma comunidade de excluídos dedicada à produção de um saber
a partir dessa ótica. Os desafios serão não só de revelação do jogo sujo
vigente, demonstrando seus vários modos e jeitos de funcionarem, mas
consolidando outros métodos que necessariamente precisa considerar a lógica de
exclusão do capitalismo. Não podemos apenas querer o lugar daquele que exclui,
precisamos também pensar me formas, jeitos, arranjos, nos quais o elemento dorsal
do capitalismo não nos solapem em nossas pretensões de críticas. Não se pode
cair no dilema do “sujo” falando do “mau lavado”.

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