Um computador com acesso à internet é tudo o que você precisa para participar de aulas ministradas por professores das universidades mais renomadas do planeta, como Harvard, Columbia, Princeton e Yale. Com a promessa de democratizar o acesso ao Ensino Superior, os MOOCs (cursos online abertos para massas, em tradução livre do inglês) sacudiram o cenário educacional e ganharam popularidade entre alunos e docentes. 
 
O entusiasmo com o modelo foi tamanho que o jornal americano The New York Times chegou a eleger 2012 como o “ano dos Moocs”. Segundo o colunista Thomas Friedman, os cursos promoveriam uma verdadeira revolução na academia e, consequentemente, na sociedade. “Nada tem mais potencial para tirar as pessoas da pobreza, proporcionando-lhes uma educação acessível para obter um emprego ou para melhorar seu trabalho (do que os MOOCs)”, escreveu.
 
A empolgação estendeu-se ao Brasil. De acordo com o Coursera, plataforma que oferece cursos de 110 instituições, cerca de 340 mil alunos são brasileiros, o que coloca o País como o quarto maior público fora dos EUA. Diante da receptividade, em setembro, a plataforma firmou parceria com as duas maiores instituições paulistas, a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que disponibilizarão seus primeiros MOOCs a partir de 2015. “Até o momento, não tínhamos quase nenhum conteúdo em português e a maioria dos brasileiros não fala inglês”, explica Stephanie Durand, responsável pelo Coursera no Brasil. “Acreditamos que há um potencial enorme em oferecer cursos dessas universidades locais para atender ao interesse público brasileiro”, diz.
 
Antes do Coursera, porém, outra plataforma de cursos massivos já acenava para as oportunidades do modelo dentro do País. Em julho, o Banco Santander e a Telefônica anunciaram o lançamento da Miríada X, ferramenta de e-learning com foco nos 600 milhões de falantes de português e espanhol do planeta. Entre as 33 instituições de Ensino Superior cadastradas, duas são brasileiras: a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Ainda não há, no entanto, cursos disponíveis em português.
 
Em visível expansão, o modelo dos MOOCs é alvo de uma série de críticas. Para especialistas, a visão de que os cursos abertos vão solucionar a questão da desigualdade no acesso ao Ensino Superior é ingênua e equivocada. As críticas se concentram no risco de propagar a hegemonia do conhecimento ocidental, delimitando de forma ainda mais explícita o seleto grupo de universidades pertencentes ao “Primeiro Mundo” e fortalecendo a cultura acadêmica hoje dominante. 
 
“A grande maioria dos MOOCs foi desenhada por universidades dos Estados Unidos e Reino Unido. Esses cursos refletem o conhecimento, metodologia e orientações intelectuais dessas nações. Com a disseminação dos MOOCs, o resto do mundo deve se adaptar ao pensamento e pesquisa dessas “potências” acadêmicas”, explica Philip G. Altbach, diretor do Centro de Educação Superior Internacional do Boston College, nos Estados Unidos.
 
Outro aspecto que contribui para o caráter “neocolonialista” do modelo, diz o professor, é a utilização do inglês como língua global, dificultando o aparecimento de perspectivas de não falantes do idioma. “Nesse momento, o uso do inglês pelos MOOCs é dominante. Alguns estão sendo desenvolvidos em russo, alemão, espanhol, chinês e português. Esta nova diversidade é importante, pois pode trazer mais vozes para os cursos”, diz.
 
Para Jeremy Knox, professor da Universidade de Edimburgo, no Reino Unido, ao contrário do que os entusiastas acreditavam, o formato, longe de revolucionar a educação, tende a manter o status e a inacessibilidade das instituições de renome. “O fato de Harvard, Stanford e Princeton serem instituições de elite e inacessíveis é precisamente a razão pela qual as pessoas são atraídas pelos cursos livres deles. Logo, os MOOCs precisam que tais instituições se mantenham elite, caso contrário, perderiam o prestígio para a sua comercialização”, explica. 
 
Segundo tal perspectiva, os MOOCs privilegiam o conhecimento da elite, predominantemente ocidental, sobre o conhecimento local. “Por que a Filosofia ensinada em Harvard, automaticamente, é melhor do que a Filosofia ensinada em uma instituição local, que pode estar mais relacionada a questões regionais e culturais daquele contexto?”, indaga Knox. Para o professor, o formato desprivilegia a diversidade cultural, padronizando a educação e a colocando sob o controle de um punhado de instituições.
 
O formato precisaria ser aprimorado, a fim de atender ao seu propósito de democratização. “É preciso fazer MOOCs mais diversificados e as parcerias do Coursera no Brasil, por exemplo, são um movimento positivo. No entanto, a organização do curso precisa mudar e se adaptar às instituições locais e não simplesmente padronizar a forma como a educação é entregue”, afirma Knox.
 
Segundo Stephanie, do Coursera, a plataforma já conta com 114 parceiros de mais de 21 países. “Essas parcerias falam por si sobre a nossa vontade de estimular a diversidade não apenas nas línguas, mas no conhecimento e metodologias no ensino e aprendizagem de várias instituições ao redor do mundo”, rebate. Por enquanto, os MOOCs oferecidos pelas universidades brasileiras abrangem as áreas de ciência, empreendedorismo, contabilidade, matemática e gestão. “Os cursos estarão disponíveis para qualquer pessoa com acesso à internet, o que significa que pessoas fora do Brasil também serão capazes de fazê-los. Isso abre muitas portas”, diz.
 
Para Richard Romancini, professor do curso de Educomunicação da Escola de Comunicações e Artes da USP, há interesse e potencial nas possibilidades ofertadas pelos MOOCs, porém o tom atual é menos eufórico do que no início. “Isso se relaciona com os resultados práticos dos cursos, e também com as desconfianças que alguns tinham desde o início e que parecem agora reforçadas pela realidade”, diz. Um desses questionamentos é se os cursos online têm capacidade de substituir, satisfatoriamente, o ensino presencial. “Não se trata apenas da qualidade do ensino, mas também de propiciar experiências formativas – contatos, vivências, relações humanas –, que são típicas da educação superior”, diz.
 
 Outro ponto criticado é o excessivo marketing e o tratamento da educação como “commodity” com um discurso, por parte dos defensores, mais ligado à quantidade e suposta democratização da educação do que à qualidade.  “Os índices de conclusão dos MOOCs são baixos, geralmente menos de 10%, o que tanto atenuou a arrogância dos primeiros empreendedores de cursos”, relata Romancini.
 
A dificuldade de reter o aluno estaria ligada ao seu aspecto broadcast e à falta de interação entre os pares aluno-aluno e aluno-professor. As grandes plataformas como o Coursera, EDX e Udacity apresentam uma pedagogia simplista, baseada em videoaulas e avaliação por meio de quizes – segundo os críticos, um processo de aprendizagem muito passivo. “O próprio formato aberto favorece a evasão, já que tudo indica que muitas pessoas ingressam nos MOOCs apenas para “testar”, sem muito compromisso em realizá-los de fato ou concluí-los”, explica Romancini.
 
Para Jennifer Morton, professora assistente do Departamento de Filosofia do City College of New York, a pertinência dos MOOCs está ligada ao contexto institucional em que esse tipo de curso aparece na vida acadêmica do aluno. “Se o MOOC substitui uma grande palestra com pouca participação do estudante, então pode ser um substituto razoável. Mas, se substitui uma discussão feita em classe, a experiência interativa de aprendizagem que os alunos devem ter na faculdade, então não estamos fazendo uma boa troca”, diz. 
 
Para Jennifer, os aspectos intangíveis da educação ainda são ignorados, como a aprendizagem social e emocional propiciada com a interação presencial. “Na semana passada, pedi a um grupo do primeiro ano uma apresentação e eles fizeram um trabalho horrível. Mas isso foi um importante aprendizado. Discutimos, então, a importância de se apresentar uma ideia com sucesso. Não sei como meus alunos poderiam ter tido essa experiência desconfortável, mas valiosa, na aprendizagem online”, diz.
 
Se os MOOCs pretendem ser mais do que uma moda passageira e conquistar espaço e credibilidade no universo educacional, terão de provar a que vieram. Romancini compara o entusiasmo com o modelo ao surgimento do ensino por correspondência, na década de 1920, nos Estados Unidos. Passados alguns anos de euforia, essa modalidade tornou-se residual. “Não creio que o ensino online vai ser tão minoritário, no entanto, a analogia mostra que existem outros aspectos envolvidos com a educação além das tecnologias da informação e comunicação, como dar sentido aos conteúdos, promover aprendizagens e interações significativas”, conclui.”